Jabutis em extinção no Congresso
Autor(es): Adriana Caitano
Correio Braziliense - 16/06/2012
Planalto aproveita as últimas medidas provisórias que tramitam sob antigo regime para enchê-las de emendas
A obrigatoriedade de medidas provisórias a serem aprovadas por uma comissão mista especial antes de seguirem para os plenários da Câmara e do Senado foi definida em março pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas ainda gera atritos entre o governo federal e o Congresso. O novo rito — que nada mais é do que o cumprimento do artigo 62 da Constituição — inibe a inclusão de emendas de última hora e torna mais demorada a tramitação das MPs. De um lado, o Legislativo decidiu seguir a Constituição à risca para evitar os sucessivos trancamentos da pauta. Já o Executivo aproveita as medidas provisórias que ainda tramitam nas Casas sob o regime antigo para enchê-las de emendas, também chamadas de penduricalhos e jabutis.
Foi assim com a MP 556, que tratava apenas do plano de seguridade do servidor público e da ampliação da estrutura portuária. Nela, foram acrescentados o aumento do teto da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) cobrada sobre combustíveis, a inclusão das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e a isenção do Imposto de Renda sobre a Participação nos Lucros e Rendimentos (PLR) das empresas. Com tantos penduricalhos, não houve acordo para a votação do texto e a MP acabou perdendo a validade.
O governo, porém, não desistiu, e incluiu em outra medida provisória alguns dos assuntos rejeitados na MP 556. Foi aprovada na última terça-feira a MP 559, que originalmente tinha apenas três artigos autorizando a Eletrobras a adquirir o controle acionário da Companhia Energética de Goiás (Celg). A pedido do Planalto, o relator, Pedro Uczai (PT-SC), transformou a medida em um texto de 17 páginas e 37 artigos. Foram infiltrados itens como o RDC para o PAC e a renegociação da dívida de universidades brasileiras com o governo federal — criando mais de 500 mil bolsas de estudo. Aprovada em plenário, essa MP foi uma das últimas a tramitar sob o antigo regime.
Por enquanto, nenhuma MP foi aprovada nos moldes definidos pelo STF. Em março, época do julgamento, havia 10 tramitando, que não seriam incluídas na determinação. Desde o julgamento no Supremo, 13 foram enviadas pelo governo e já tramitam em comissões mistas.
Hábito
Quando o novo rito das medidas provisórias foi definido, alguns ministros do Supremo mencionaram justamente o velho hábito do Executivo e do Legislativo de rechear as MPs com emendas e artigos sobre assuntos completamente distintos de seu mérito original. A crítica mais incisiva foi da ministra Cármem Lúcia: "Temos uma confusão de interesses que nada tem a ver com o objetivo da medida provisória nem da constituição legislativa. Lá em Minas, a gente chama de lei Frankenstein, que é a lei que tem de tudo dentro".
O presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), questiona a legalidade da inserção de temas adversos em uma MP. "Há uma lei aprovada pelo próprio Congresso que inibe essa prática, mas nem o parlamento se dá ao respeito, o que possibilita esse tipo de promiscuidade", reclama. Freire refere-se à Lei Complementar n° 95, a qual determina que "cada lei tratará de um único objeto" e que nela "não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão".
O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), reconhece que o governo envia acréscimos a textos em tramitação para garantir que assuntos urgentes sejam apreciados mais rapidamente. "Às vezes, há uma demora exagerada no parlamento, e é preciso ver o que é útil para o país. Por isso, surgem textos novos sobre temas que não caminharam no Congresso", alega. Ele argumenta, porém, que não é só o governo que inclui emendas nas MPs. "Você pode ter certeza de que os relatores de qualquer partido são pródigos em tentar colocar matérias que consideram importante para atender a pleitos de seus estados", rebate.
"Temos uma confusão de interesses que nada tem a ver com o objetivo da medida provisória nem da constituição legislativa. Lá em Minas, a gente chama de lei Frankenstein, que é a lei que tem de tudo dentro"
Cármem Lúcia, ministra do STF
13
MPs enviadas ao Congresso desde março
Para saber mais
Pauta trancada
Em 7 de março, o STF considerou inconstitucional a lei que havia criado, por meio de medida provisória, o Instituto Chico Mendes (ICMBio), em 2007. No entendimento da maioria dos ministros, a MP deveria ter passado por uma comissão mista de deputados e senadores antes de ser apreciada separadamente pelo plenário de cada uma das Casas, como prevê o artigo 62 da Constituição. Apesar de o rito ser obrigatório, as medidas que chegavam ao Congresso eram analisadas, geralmente, apenas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, em seguida, votadas no plenário.
As MPs entram em vigor na data da publicação e têm 60 dias de validade, prorrogáveis por mais 60. Antes disso, precisam ser aprovadas pela Câmara e pelo Senado para serem mantidas — se não forem votadas em 45 dias, trancam a pauta. Na última quinta, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), anunciou que vai adotar o entendimento de que, com a determinação do STF, uma MP só vai impedir votações comuns no plenário depois de ser aprovada na comissão especial. Segundo Maia, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), vai seguir a mesma interpretação.
Com essa determinação, Maia e Sarney resolverão um problema antigo do Congresso. Muitas matérias ficam meses na pauta à espera de uma janela entre as MPs prestes a vencer. Por conta disso, desde o início do ano, não houve sequer uma votação de projeto em sessão ordinária da Câmara.
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