O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA
JURÍDICA E ALGUNS INSTRUMENTOS GARANTIDORES DO REFERIDO VETOR NA NOVA LEI DE
LICITAÇÕES
Por
Aniello Parziale[1]
Texto
publicado no Observatório da Nova Lei de Licitações da Editora Fórum – Visite o
portal em http://www.novaleilicitacao.com.br/
A licitação, conforme se infere do art. 37, inc. XXI, da
Constituição da República de 1988, é o expediente administrativo utilizado pelo
Estado para selecionar particulares que desejam se relacionar comercialmente
com o Poder Público no propósito de fornecer bens, prestar serviços, construir
obras etc.
Conforme divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o impacto econômico das compras governamentais alcança 20% do
Produto Interno Bruto (PIB). Diante do referido porcentual, não restam dúvidas
de que o Estado comprador brasileiro, por meio da União federal, dos 26 Estados, Distrito Federal e dos 5.570 Municípios, apresenta-se
como um grande consumidor, adquirindo bens, que vão desde objetos comuns e
simplórios, como a aquisição de copos descartáveis e café, até objetos
complexos, de alto valor agregado, estratégicos, a exemplo da compra de aviões
de caça etc.
Acerca desta função estatal, ensina Manuel Garcia-Pelayo que o
“Estado é, em todo o caso, o primeiro dos clientes do mercado nacional,
exercendo, como sabemos, uma função redistributiva do produto mediante a
transformação dos impostos e contribuições em bens e serviços sociais” (2009,
p. 138).
Mesmo diante de um enorme volume de recursos públicos disponíveis,
muitas empresas demonstram aversão quando são indagadas acerca dos motivos
pelos quais não se relacionam comercialmente com o Poder Público, seja qual for
o nível de governo. Como resposta, elencam diversas razões para justificar a
distância do referido segmento, a exemplo da burocracia estatal; do direcionamento
da licitação para determinado particular, por meio da fixação de regras
editalícias que somente podem ser atendidas por um participante; da
interpretação das regras do edital, durante a licitação, com excesso de
rigorismo a fim de beneficiar determinado proponente; da revogação da licitação
sem apresentação de um fato superveniente quando o vencedor não é o preferido
do Poder Público; da inadimplência do Poder Público durante a execução do
contrato; da intervenção do Tribunal de Contas competente com o escopo de
modificar o valor da contratação, em razão da verificação de sobrepreço; da
imposição de renegociação de contratos quando da troca de gestão
administrativa; do regular pagamento em atraso sem o devido custeamento dos
prejuízos do particular e da falta de critérios e respeito às regras existentes
durante a condução de processos sancionatórios, expediente que se busca estudar
neste artigo etc.
Diante destas circunstâncias, têm razão os muitos empresários que
se afastam deste segmento de mercado, haja vista evitar colocar seu capital em
risco, pois é patente a insegurança jurídica observada. Já em relação àqueles
que se submetem a tais adversidades, aceita-se correr o perigo, o que é
intrínseco das atividades empresariais.
Sendo assim, não há como negar que a insegurança jurídica
verificada no âmbito das contratações públicas acaba por tornar tal segmento de
mercado pouco atraente para a iniciativa privada, sendo essa uma das grandes
razões para muitas empresas não acudirem ao chamado do Poder Público, para
apresentar proposta para executar obras, prestar serviços ou fornecer os bens
necessários para a Administração licitante perseguir os seus objetivos
institucionais.
Acerca da segurança jurídica que deve ser garantida em todos os
negócios, inclusive aqueles travados com a Administração Pública, o ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal, Professor Eros Grau, em seu voto concedido nos
autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.685-8/DF, ensina, in verbis:
“Onde, quando nasce e para que serve a segurança jurídica? As
considerações de WEBER são suficientes ao esclarecimento dessas questões: as
exigências de calculabilidade e confiança no funcionamento da ordem jurídica e
na Administração constituem uma exigência vital do capitalismo racional; o
capitalismo industrial depende da possibilidade de previsões seguras --- deve
poder contar com estabilidade, segurança e objetividade no funcionamento da
ordem jurídica e no caráter racional e em princípio previsível das leis e da
Administração. Pois o direito moderno presta-se precisamente a instalar o clima
de segurança, em termos de previsibilidade de comportamentos, sem o qual a
competição entre titulares de interesses em permanente oposição, no seio da
sociedade civil, não fluiria plenamente” (2008).
Nesta toada, diante da importância da previsibilidade estatal no
âmbito das contratações públicas, “a Lei nº 8.666 preocupou-se intensamente em
consagrar regras sobre a disciplina licitatória, visando a reduzir a margem de
indeterminação na aplicação concreta de seus dispositivos. A existência dessas
regras é de vital importância para a segurança jurídica de todos os
envolvidos.” (JUSTEN FILHO, 2012, p. 70)
É por tal razão que o atual Estatuto federal de Licitações e
Contratos Administrativos assenta um exaustivo rol de procedimentos, objeto de
tantas críticas, com o escopo de disciplinar, por meio de regras inflexíveis e
detalhistas, a conduta do administrador público quando conduz o procedimento
licitatório. Ante tal desiderato, a “licitação não é concorrência livre, mas
aprisionada. Por mais que se tenha abrandado o regime jurídico do cárcere,
ainda está presa numa cela de regras, que a isola da vida lá fora, isto é do
mercado, no qual – e somente no qual – ocorre a verdadeira concorrência.” (BARROS,
1999, pp. 152/153)

Todavia, mesmo provido de pormenorizado regramento, a certeza do
direito, fato que garante a possibilidade de realização de previsões seguras e
objetivas do funcionamento da máquina estatal, não é garantida nas compras
governamentais, uma vez ser comum a mudança de entendimentos e interpretações
das normas legais no transcurso dos procedimentos afetos às contratações
públicas, fato que gera, fatalmente, incertezas e receios e, por conseguinte,
instabilidade nas relações jurídicas no âmbito deste segmento de mercado e que
acarreta, consequentemente, o afastamento de parte do empresariado deste
mercado.
Com efeito, a garantia aos participantes do certame licitatório de
um regramento que assegure certeza e previsibilidade da atuação estatal,
circunstância que gera confiança e certeza jurídica pelos interessados, são os
elementos necessários para a iniciativa privada analisar e calcular os riscos
de atuar neste segmento mercadológico, pois, diante da incerteza de retorno do
capital e remuneração adequada (lucro), corre-se o risco de não ser acudido o
chamado da Administração Pública, restando prejudicado o interesse público
almejado com a colaboração particular.
Vislumbrada tal problemática e com o objetivo de corrigir a
omissão observada na atual legislação licitatória, observa-se que no Projeto de
Lei nº 1.292/1995, que atualmente encontra-se no Senado para discussão, avançou
no tocante à efetividade do princípio da segurança jurídica no âmbito das
contratações públicas.
Neste passo, observa-se que o princípio da segurança jurídica está
previsto expressamente no art. 5º do referido projeto de lei, fato que veda ao
administrador público, por exemplo, a mudança de interpretação de determinadas
normas legais, com a consequente mudança de orientação, em caráter normativo,
afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior.
(DI PIETRO, 2009, p. 76)
Demais disto, com o objetivo de concretizar tal princípio, por
exemplo, deverá o administrador público empreender esforços para garantir no
edital e contrato as novas cláusulas necessárias que garantam a segurança
jurídica, como, por exemplo, fixar no ato convocatório os critérios e a
periodicidade da medição, quando for o caso, e o prazo para liquidação e para
pagamento (art. 91, inc. VI, da propositura).
Outrossim, quando for o caso, deverá constar cláusulas editalícia
e contratual definidoras de riscos e de responsabilidades entre as partes e
caracterizadoras do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em
termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação
(matriz de risco – art. 22, §2º, da propositura).
Ademais, deverá constar também no edital e contrato o prazo para
resposta ao pedido de repactuação de preços e pedido de restabelecimento do
equilíbrio econômico-financeiro, essencial para afastar a execução do objeto
contratado sem a manutenção das condições efetivas da proposta comercial, o que
acarreta prejuízo financeiro ao contratado (art. 91, inc. X, da propositura).
Outro ponto que merece destaque é a vedação da Administração contratante ensejar
retardo imotivado da execução de obra ou serviço, ou de suas parcelas,
inclusive na hipótese de posse do respectivo chefe do Poder Executivo ou de
novo titular no órgão ou entidade contratante (art. 114, §2º, da propositura).
Demais disto, observa-se no art. 114 do referido projeto de lei
que, nas contratações de obras, a expedição da ordem de serviço para execução
de cada etapa seja obrigatoriamente precedida de depósito em conta vinculada
dos recursos financeiros necessários para custear as despesas correspondentes à
etapa a ser executada, sendo absolutamente impenhoráveis os valores depositados
na referida conta.
Em sede de conclusão, observa-se que o princípio da segurança
jurídica no âmbito das contratações públicas apresenta-se como imprescindível
para gerar a confiança necessária e atrair parte da iniciativa privada
descontente com a fragilidade dos regramentos existentes. Os exemplos acima
colacionados provam tal assertiva.
Espera-se que tal regramento seja mantido, aperfeiçoado e ampliado
pelo Congresso Nacional, para que, efetivamente, se concretize o princípio da
segurança jurídica no âmbito das contratações públicas, traduzido em benefícios
não para os empresários e Administração, mas para toda a coletividade, pois a
ampliação de competidores pode gerar a obtenção de propostas mais vantajosas e,
consequentemente, menor ônus ao erário.
BIBLIOGRAFIA
BARROS,
Sérgio Resende. Liberdade e contrato: a
crise da licitação, 2. ed. Piracicaba, UNIMEP, 1999.
DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
administrativo, 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
GARCIA-PELAYO,
Manuel. As transformações do estado
contemporâneo. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense,
2009.
JUSTEN
FILHO, Marçal. Comentários à lei de
licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012.

[1]
É mestre em Direito Econômico e Político pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015-2017). É bacharel em Direito pela
mesma universidade (2002-2006). Tem experiência na área de Direito, com ênfase
em Direito Público. Foi consultor (9 anos) e gerente da Consultoria Jurídica da
Editora NDJ (1 ano). Atualmente é
Secretário de Assuntos Jurídicos na Prefeitura Municipal de Embu das Artes/SP.
É membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/SP, para o triênio 2019-2021.
Lecionou Teoria Geral do Estado, Projeto Integrador I, Direito Internacional
Público e Privado, Direitos Fundamentais e Direito Financeiro no Centro
Universitário Brazcubas. É Árbitro na Caraíve Arbitragem/SP, palestrante e
instrutor de treinamento sobre contratações públicas.
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