A PREVISÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO SISTEMA PUNITIVO DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
Por
Aniello Parziale[1]
Texto
publicado no Observatório da Nova Lei de Licitações da Editora Fórum – Visite o
portal em http://www.novaleilicitacao.com.br/
Os efeitos de uma sanção administrativa
prevista na legislação licitatória, aplicada a um particular, ao cabo de um
processo sancionatório, seja de redução patrimonial, a exemplo das multas, ou de
penas restritivas de direito,
como é o caso da declaração de inidoneidade, devem ser suportados pela pessoa
apenada, de forma que os efeitos pedagógicos da punição sejam concretizados,
desestimulando, assim, a prática do comportamento infracional prejudicial à
Administração no âmbito das contratações públicas.
Ocorre, todavia, que as pessoas físicas integrantes do quadro
societário da pessoa jurídica apenada, em especial, com punições restritivas de
direito de licitar e contratar, com o escopo de se esquivar dos efeitos da sanção
aplicada, constituem uma outra empresa, com nítido desvio de finalidade, e
passam a acudir novamente ao chamado da Administração, participando de novas
licitações, credenciamento, e celebrando o competente contrato administrativo,
atas de registro de preços etc.


Diante do sucesso desta indigna empreitada, constata-se que a
finalidade da sanção administrativa não é alcançada, o que permite que os
sócios da pessoa jurídica apenada, por meio da constituição de novas empresas,
continuem participando de licitações e celebrando contratos e passem novamente
a incorrer em infrações administrativas, o que é flagrantemente prejudicial
para a Administração na perseguição dos objetivos institucionais alcançados por
meio de objetos em que confia a sua execução a particulares.
Ante a esta situação, tem-se que a
constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social ou semelhante, com os
mesmos sócios, em substituição à outra pessoa jurídica impedida ou declarada inidônea para licitar com a
Administração Pública com o objetivo de burlar a aplicação da sanção
administrativa, constitui abuso de forma e fraude à legislação licitatória, de
modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica para se estenderem os efeitos da punição administrativa à nova
sociedade constituída.
Tal como é hoje consagrada, a desconsideração da personalidade
jurídica é aplicável nos casos em que se desvia a pessoa jurídica de sua
legítima finalidade, o que caracteriza abuso de direito, com o fim de lesar
terceiros ou violar a lei, a configurar fraude, sendo tal entendimento
agasalhado pelo Poder Judiciário[2]
e pelas
Cortes de Contas.[3]
Não obstante inexista expressa previsão na legislação licitatória,
a desconsideração da personalidade jurídica é atualmente amparada em lei em
outras hipóteses, a exemplo do art. 14 da Lei fed. nº 12.846/2013
(Lei Anticorrupção); do art. 28, § 5º, da Lei nº
8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor); do art. 34 da Lei nº 12.529/2011
(Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência); do art. 4º da Lei nº 9.605/1998
(dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente); do art. 50 da Lei nº 10.406/2002 (Código
Civil brasileiro) e, por último, do art. 133[4] c/c o art.
15 da Lei fed. nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), sendo aplicada no
atual sistema punitivo das contratações públicas.
Futuramente, em razão do disposto no art. 159[5] do Projeto
de Lei Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 1.292-E, de 1995, do Senado Federal (PLS nº 163/1995 na Casa de origem), a desconsideração da personalidade jurídica
será legalmente prevista no sistema punitivo, continuando a ser e promovida pela própria Administração sancionadora,
de forma autoexecutória, uma vez ser o meio para garantir a efetividade da ação
administrativa punitiva, devendo a desconsideração ser decretada pelo próprio
órgão ou entidade punidora. Não se trata, destaque-se, da aplicação de uma nova
sanção administrativa, mas apenas da edição de um ato garantidor de efetividade
à penalidade anteriormente aplicada pela própria Administração.
Entende-se, por derradeiro, e em razão de reverenciar o princípio
do devido processo legal, que a decretação da desconsideração da personalidade
jurídica deverá ocorrer ao cabo de processo administrativo, que poderá ser
deflagrado por meio de uma representação oferecida pela comissão de licitação,
pregoeiro ou particular, devendo a fraude ou o abuso de direito ser amplamente
demonstrado e comprovado, além de serem garantidos a ampla defesa e o
contraditório ao particular.
Somente após a efetiva decretação da desconsideração da personalidade
jurídica, ao cabo do competente processo administrativo, é que a pessoa
jurídica poderá ser afastada do processo licitatório.
No futuro, com expressa previsão legal,
espera-se que este mecanismo gere efetividade no sistema punitivo, de forma a fortalecer
tal prerrogativa estatal, afastando maus intencionados que se aproximam da
Administração Pública com o intento de apenas lesar o erário, dilapidando os já escassos recursos públicos.
[1] É mestre em
Direito Econômico e Político pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie (2015-2017). É bacharel em Direito pela mesma
universidade (2002-2006). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em
Direito Público. Foi consultor (9 anos) e gerente da Consultoria Jurídica da
Editora NDJ (1 ano). Atualmente é
Secretário de Assuntos Jurídicos na Prefeitura Municipal de Embu das Artes/SP.
É membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/SP, para o triênio
2019-2021. Lecionou Teoria Geral do Estado, Projeto Integrador I, Direito
Internacional Público e Privado, Direitos Fundamentais e Direito Financeiro no
Centro Universitário Brazcubas. É Árbitro na Caraíve Arbitragem/SP, palestrante
e instrutor de treinamento sobre contratações públicas.
[2] “A
constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios
e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar
com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar a aplicação da sanção
administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações (Lei nº
8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à
nova sociedade constituída).
A Administração Pública pode, em observância ao
princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses
públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade
constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultados ao
administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo
regular.” (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. REsp.
nº 15.166/BA. 2ª Turma. Relator: Ministro Castro Meira. Julgado em
07.08.2003. DJU, Brasília, DF, 08 set. 2003.)
[3] “REPRESENTAÇÃO
FORMULADA COM FULCRO NO ART. 113, § 1º DA LEI DE LICITAÇÕES. EMPRESA
CONSTITUÍDA COM O INTUITO DE BURLAR A LEI. FRAUDE EM LICITAÇÃO. AUDIÊNCIA.
REJEIÇÃO DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE DE LICITANTE.
NULIDADE DO CERTAME E DA CONTRATAÇÃO. 1. Confirmado que a empresa licitante foi
constituída com o nítido intuito de fraudar a lei, cabe desconsiderar a sua
personalidade jurídica de forma a preservar os interesses tutelados pelo
ordenamento jurídico. 2. Deve ser declarada
a nulidade de licitação cujo vencedor utilizou-se de meios fraudulentos.”
(BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 928/2008.
Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Sessão de 21.05.2008. Acesso em:
13 jun. 2017.)
[4]“Art.
133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a
pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no
processo.”
[5]
“Art. 159. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que
utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática
dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial,
sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos
seus administradores e sócios com poderes de administração, à pessoa jurídica
sucessora ou à empresa, do mesmo ramo, com relação de coligação ou controle, de
fato ou de direito, com o sancionado, observados, em todos os casos, o
contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de análise jurídica prévia de
fato ou de direito, com o sancionado, observados, em todos os casos, o
contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de análise jurídica prévia.”


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