A revisão de sanções impostas a particulares no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos
A revisão de sanções impostas a particulares no âmbito das licitações
públicas e contratos administrativos
1.
Introdução
A revisão
do processo sancionatório, objetivando a redução ou o afastamento de uma
penalidade administrativa aplicada no âmbito das licitações públicas e
contratos administrativos, é uma garantia ao particular apenado de que a sanção
recebida possa ser revista no futuro, caso sejam apresentados novos fatos ou
circunstâncias relevantes à Administração Sancionadora, suficientes à justificar
a inadequação da pena anteriormente aplicada.
No
procedimento em apreço, deflagra-se um novo processo administrativo, denominado
revisivo, que poderá ocorrer de ofício, ou seja, pela própria Administração
sancionadora, ou a pedido do particular apenado. Objetiva-se, ao final desse
expediente, um novo pronunciamento, o qual reverá uma sanção administrativa,
que no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos são aquelas
arroladas nos arts. 86 e 87 da Lei federal nº 8.666/93 e art. 7º da Lei federal
nº 10.520/02.
Em lição
precisa, leciona José dos Santos Carvalho Filho, que o processo administrativo
que abaixo será estudado objetiva “(...) corrigir erro de julgamento, evitando
que o interessado seja vítima de sanção onde esta não deveria ter sido aplicada
ou de sanção mais grave do que aquela que merecia. Para que haja revisão,
entretanto, cabe a cabal demonstração de existência de fatos novos ou de
circunstâncias relevantes comprobatórios da inadequação sancionatória.” (2007,
p. 337).
A pouca
utilização da revisão - que, aliás, é um instituto novo no Direito
Administrativo[1]
- no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, advém, além do
seu desconhecimento (já que demanda a análise da principiologia e da legislação
de processo administrativo), do fato de a Lei federal nº 8.666/93 não carregar
em seu bojo dispositivo que ampare a pretensão do particular em requerer da
Administração sancionadora a rediscussão da sanção aplicada, como já ocorre na
seara disciplinar, conforme estabelece o art. 174 da Lei federal nº 8.112/90, o
qual dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União.
Assim, por
meio desse novo pronunciamento, se expurgam da seara jurídica decisões
desproporcionais, que passam a ser ilegítimas e arbitrárias, incompatíveis com
a nova ordem jurídica, o que é necessário em um Estado Democrático de Direito já
que “A Administração Pública, como instituição destinada a realizar o Direito e
a propiciar o bem comum, e não agir fora das normas jurídicas e da moral
administrativa, nem relegar os fins sociais a que sua ação se dirige”
(MEIRELLES, 2007, p. 200).
2. Dos fundamentos jurídicos da revisão do processo
sancionatório
A revisão
do processo administrativo sancionatório, como ensina José dos Santos Carvalho Filho,
é uma espécie de recurso, que deve ser processado, repise-se, por meio de um
novo processo administrativo.
Estribado
no princípio da revisibilidade das
decisões administrativas, a instauração de um processo revisivo poderá ser
deflagrado por meio de um requerimento calcado no direito de petição, o qual é garantido constitucionalmente pelo
art. 5º, inc. XXXIV, inc. “a” da Constituição Federal de 1988.
Além da
provocação do interessado, permite-se que a Administração sancionadora de
ofício, instaure competente processo administrativo objetivando a revisão da
penalidade aplicada, expediente que denota obediência do princípio da
autotutela administrativa, consubstanciado na Súmula nº 473 do Supremo Tribunal
Federal.
A
possibilidade da revisão do processo sancionatório é garantida legalmente no
âmbito federal por meio do disposto no art. 65 da Lei nº 9.784/99, denominada
de Lei Federal de Processo Administrativo, cujo teor reproduze-se:
Art. 65 -
Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a
qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou
circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção
aplicada.
Parágrafo
único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção
(BRASIL, 1999).
A
positivação deste expediente no bojo da Lei nº 9.784/99, a qual teve como
inspiração a garantia de revisão de sanções imposta no âmbito disciplinar,[2]
detendo, ainda, similitude com a revisão criminal[3]
e a ação rescisória[4],
possibilitou a utilização da revisão de pena aplicada em outros processos
punitivos, a exemplo dos ocorridos na seara tributária, concorrencial e
eleitoral.
Da mesma
forma, garantiu-se a sua utilização no âmbito das licitações públicas e
contratos administrativos. Com efeito, saliente-se é plenamente possível
deflagrar o processo revisivo de uma sanção devidamente imposta no âmbito das
contratações governamentais, com fulcro no dispositivo legal supramencionado.
Dessa forma
ocorre porque a utilização dos preceitos fixados na Lei nº 9.784/99, por força
do que estabelece o art. 69, somente são aplicadas de forma subsidiária ou
suplementar sobre as normas de caráter específico (Lei federal nº 8.666/93, por
exemplo), naquilo que não contrariar regra específica.
Por
conseguinte, como a Lei federal nº 8.666/93 é silente sobre o tema, não
estabelecendo nenhum procedimento destinado a rever uma penalidade aplicada no
âmbito das licitações e contratos administrativos, está autorizado utilização
da revisão constante do art. 65 da 9.784/99 a fim de garantir a deflagração do
competente processo, já que os contornos legais, que abaixo se verificará, não
conflitam com nenhum dispositivo constante do Estatuto federal Licitatório.
Sobre a
aplicação subsidiária das leis de procedimento administrativo leciona Egon
Bockmann Moreira que, verbis:
A aplicação
subsidiária significa um âmbito de incidência limitado aos planos normativos
não regulados pelas leis relativas a “processos administrativos específicos”. Estes continuam a reger-se por suas próprias
normas. Caso a Lei 9.784/1999 traga alguma previsão que não conflite com os
processos específicos, o dispositivo é de aplicação cogente (2007, p. 292).
Nessa
toada, não é outro o entendimento do Eg. Tribunal de Contas da União, conforme
consta do seu Manual de Licitações, onde
expressamente reconheceu a possibilidade da revisão do processo sancionatório
no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, asseverando
que:
Processos
administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo,
a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes
suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Da revisão
do processo não poderá resultar agravamento da sanção (2010, p. 754).
Saliente-se
que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça garantiu a aplicação deste
expediente no âmbito das contratações governamentais, determinando ao
Ministério dos Esportes que apreciasse um pedido de revisão de uma sanção a
qual foi aplicada no âmbito de um pregão. Observe-se:
MANDADO DE
SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE REVISÃO. ADEQUAÇÃO DA SANÇÃO.
CIRCUNSTÂNCIA RELEVANTE. CABIMENTO.
1. "Os
processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer
tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias
relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada."
(artigo 65 da Lei nº 9.784/99).
2. Cabível
o pedido de revisão, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido,
tampouco em intempestividade, exsurgindo o direito líquido e certo do
impetrante de ver apreciado seu requerimento como apresentado - pedido de
revisão - e integralmente.
3. Ordem
concedida (BRASIL, 2010a).
Como acima
já se asseverou, mesmo inexistindo um dispositivo expresso na legislação que
regula o processo administrativo dos demais entes federativos que permita a
revisão de uma sanção, é obrigação da Administração sancionadora apreciar
eventual requerimento apresentado por licitante ou contratado apenado, a
qualquer tempo, devendo referido expediente ser processado como um direito de
petição, circunstância que prestigia o princípio da revisibilidade das decisões
administrativas.
Nesse
sentido preleciona a jurista Lúcia Valle Figueiredo, verbis:
Quando
utilizável o direito de petição, pode haver exercício de direito individual, e,
também, de direito coletivo, da cidadania. Qualquer um pode – e deve –
peticionar ao Poder Público para pleitear a correção de condutas
administrativas que se manifestem erradas ou ilegais.
Como visto, o direito de petição também é outra maneira de deflagrar
procedimentos revisivos (1994, p. 87). (grifo nosso).
Por ser
oportuno, também salienta o mestre Celso Antonio Bandeira de Mello sobre o
tema, verbis:
O princípio
da revisibilidade, além de dever ser considerado como um princípio geral do Direito, embasa-se no direito de petição,
previsto no art. 5º XXXIV “a”, a teor do qual todos têm assegurado “o direito
de petição dos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra a ilegalidade
ou abuso de poder”.
Ora, tal
direito presume uma atuação administrativa que o cidadão repute desconforme com
a ordem jurídica. Assim, peticionará a revisão dela, tanto mais porque a
Administração se estrutura hierarquicamente, no que vai implícito de
revisibilidade (2008, p. 498) (grifo do autor).
Acerca do princípio da revisibilidade, também
ensina, Rafael Munhoz de Mello, verbis:
Além disso, a Constituição Federal garante aos particulares o direito de
petição (art. 5º, XXXIX, “a”), que deve desencadear a instauração de um
processo administrativo e a prolação de uma decisão.
A parte que se sentir legada por ato praticado em processo
administrativo tem o direito de encaminhar petição ao órgão superior, que terá
o dever de invalidar se estiver configurada ilegalidade, não sendo possível a
convalidação (2007, p. 239).
Saliente-se,
por fim, que o instituto em estudo em nada se confunde com a reabilitação, prevista no inc. IV do
art. 87 da Lei federal nº 8.666/93[5],
expediente esse realizado pela própria Administração sancionadora, que será
concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos
resultantes da sua conduta desabonadora, após decorridos 2 anos da sanção
imposta, sendo distinto também de um pedido
de reconsideração[6] que, como ensina Hely Lopes Meirelles
“é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o ato, para
que o invalide ou modifique nos termos da pretensão do requerente” (2007, 678).
3. Pressupostos
Utilizar-se-á
como base para o desenvolvimento do presente estudo os requisitos legais
impostos pela disciplina constante do art. 65 da Lei federal nº 9.784/99,
inspirado na revisão de sanção já consagrado na seara administrativa disciplinar,
como já se salientou, já que os mesmos são reproduzidos em diversas normas
estaduais e municipais que regulam o processo administrativo, a exemplo da Lei
nº 12.209/11 do Estado da Bahia, Lei nº 11.781/00 do Estado de Pernambuco e da
Lei nº 8. 814/04, do município de Uberlândia.
Ademais,
ante a ausência de ensinamentos doutrinários acerca da revisão das penas
aplicadas no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos,
utilizar-se-á, além do magistério existente e ensinado no âmbito da Lei federal
de processo administrativo, as lições prelecionadas na seara disciplinar, a
quais poderão ser utilizadas, mutatis
mutandis, no campo licitatório e contratual administrativo.
3.1
Existência de processo sancionatório
encerrado
Para que
uma sanção imposta no âmbito de uma licitação ou durante a execução de um
contrato administrativo possa ser revista, deverá existir um processo
sancionatório devidamente concluído, onde se tenha, ainda, transcorrida a
competente fase recursal.
Com efeito,
somente após a conclusão desse processo administrativo é que existirá uma
sanção efetivamente aplicada - em garantia ao princípio da presunção da
inocência -, e que poderá, a partir desse momento, ser objeto de competente
revisão.
Saliente-se
que a necessidade do aguardo da conclusão do processo punitivo advém do fato de
a sanção aplicada poder ser revista em sede recursal. Assim, evita-se a
movimentação da máquina administrativa.
Nesse
sentido, ensina C. J. Assis Ribeiro que não caberá revisão do processo
sancionatório: “Quando a decisão comportar pedido de reconsideração e recurso
hierárquico” (1959, p. 108).
3.2 Inexistência de prazo para instauração do
processo administrativo revisivo
A garantia
da possibilidade de deflagração de um processo administrativo revisivo, a qualquer tempo, permite a aplicação
concreta do princípio da verdade material, a qual impõe à Administração
sancionadora a necessidade permanente da busca da demonstração da verdade
fática.
Essa
segurança é fundamental para o exercício do direito de revisão da punição imposta
no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos. Isso porque,
como o período de cumprimento das penalidades são extensas - até 5 anos,
conforme estabelece o art. 7º da Lei federal nº 10.520/02 - quando não
permanentes - ou seja, enquanto perdurarem os efeitos ensejadores da sanção,
quando da declaração de inidoneidade, conforme estabelece o art. 87, inc. IV da
Lei nº 8.666/93 - a possibilidade do exercício a qualquer tempo garante que a
pena possa ser revista quando do surgimento do fato novo ou circunstância
relevante, que poderá ocorrer também a qualquer momento.
Por
conseguinte, a fixação de um prazo para a instauração de um processo revisivo obstaria
o exercício desse direito o que mitigaria os efeitos do supramencionado
princípio. Nesse sentido, já ensinou a longa data C. J. Assis Ribeiro, o
direito do exercício da revisão é imprescritível. (1959. p. 109).
Com efeito,
a possibilidade de deflagração do processo revisivo a qualquer momento
franqueia ao particular apenado o direito de apresentar seu requerimento em ato
contínuo à manifestação da autoridade sancionadora, onde não mais comporte
recurso, ou após decorrer alguns anos, já que esses fatos novos ou
circunstâncias relevantes podem surgir a qualquer tempo.
Acerca
dessa garantia, ensina José dos Santos Carvalho Filho, verbis:
Essa
possibilidade retrata, indiscutivelmente, uma garantia para todos os
administrados que sofreram punição injusta, ou seja, a punição que não seria
imposta se fossem conhecidos os novos fatos ou verificadas as circunstancias
relevantes indicativas da inadequação punitiva.
Ao fixar a
referida garantia, a lei, por via de consequência, está afirmando ser
imprescritível a pretensão administrativa de revisão do ato punitivo, não
podendo a Administração eximir-se de apreciar esse tipo de pedido sob alegação
de decurso de prazo. É até mesmo admissível que o pedido de revisão seja
julgado improcedente; o que é vedado, porém, é que os órgãos administrativos
deixem de conhecer do pedido em razão de ter sucedido a prescrição.
Assim,
sendo, não é o fator tempo elemento
subjetivo impeditivo à satisfação do interesse revisional. (2007. p. 333)
(destaque do autor).
3.3 Instauração e condução do processo revisivo
A
deflagração de um processo administrativo revisivo poderá ocorrer de ofício,
ou seja, será iniciado pela própria Administração sancionadora, sem prejuízo da
interferência do particular apenado.[7]
Com efeito,
a possibilidade de a Administração sancionadora dar início ao referido processo
administrativo é consubstanciação do princípio da autotutela administrativa,
expressamente previsto na Súmula nº 473
do STF já que a Administração Pública é obrigada a rever seus atos que se
apresentam como inconvenientes e inoportunos, a exemplo da imposição de uma
sanção que se apresente, após a efetiva aplicação, desproporcional ou ilegítima.
Como já
acima já se asseverou, o desencadeamento do processo revisivo de ofício também
decorre da observância do princípio da verdade material, o qual, nas
palavras do jurista Celso Antonio Bandeira de Mello:
“Consiste
em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes
demonstraram no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com
prescindência do que os interessados hajam alegado e provado” (2008, p. 494).
Para tanto,
o ato de instauração do processo revisivo deverá apontar os novos fatos ou
circunstâncias relevantes, como abaixo se verificará, a fim impulsionar o seu
desenvolvimento no âmbito administrativo.
Sobre a
deflagração de um processo revisivo de ofício pela Administração sancionadora,
ensina Lúcia Valle Figueiredo, verbis:
Os
processos revisivos podem iniciar-se – como já afirmado – de ofício, pelo
direito de petição (art. 5º, XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal) ou pelo
direito à revisibilidade (“duplo grau”).
Será
procedida a revisão de ofício na hipótese de a Administração, ela própria
entender de exercer sua competência controladora. Ou, então, na fase de
integração (2006, p. 456) (grifo nosso).
Já em relação
à instauração de um processo revisivo a
pedido do particular apenado, tem-se que o licitante ou contratado deverá
peticionar à Administração sancionadora, dirigindo seu requerimento à
autoridade competente, apontando o fato novo ou a circunstância relevante
verificados.
Ao final
desse procedimento, deverá ser prolatada uma nova decisão, o qual deverá ser
devidamente motivada, a fim de tornar sem efeito ou mitigar a sanção
inicialmente aplicada.
O processo
revisivo se desenvolverá apensado ao sancionatório originário, que, ao seu
cabo, deliberou pela aplicação de sanção agora combatida, permitindo, desta
feita, o confronto e garantindo uma visão ampla de ambos expedientes.
Grife-se
que o presente estudo não adentrará na principiologia do processo administrativo,
características e fases do seu desenvolvimento, limitando-se apenas a ressaltar
às características do processo revisivo, bem como de expedientes que protejam o
exercício do direito do particular de garantir uma manifestação da
Administração a adequada.
Nesse
sentido, na medida em que a Administração Sancionadora está sendo instada a se
manifestar sobre um assunto já apreciado, não poderá o órgão ou entidade
processar o pedido do particular com descaso ou deixá-lo em segundo plano,
devendo a atuação pautar-se seguindo os padrões éticos de probidade e boa-fé,
princípios, aliás, expressamente previstos na Lei federal de Processo
Administrativo, em seu art. 2º, parágrafo único, inc. III, já que por meio
deste expediente pretende-se proteger direitos e o patrimônio do licitante ou
contratado sancionado.
Ademais,
deverá o processo revisivo ter duração moderada, ante a necessidade de
observância do direito fundamental à razoável duração do processo,
constitucionalmente garantido pelo inc. LXXVIII do art. 5º da Constituição
Federal de 1988.[8]
Saliente-se,
por ser oportuno, que a não instauração do referido processo administrativo, ou
a sua condução demorada, gerar prejuízo ao particular apenado, manifestamente
comprovado, tendo em vista o princípio da responsabilidade objetiva, devidamente previsto no
art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, a competente indenização se
imporá. Sobre o tema ensina Egon Bockmann Moreira, verbis:
Não sendo
instalado o processo, e caso desse fato resulte prejuízo concreto às pessoas
envolvidas, dar-se-á o dever de indenizar. Tanto na hipótese de pedido recusado
ou não apreciando como naquelas de desconsideração da incumbência legal de
instalar o processo (2007, p.163).
É oportuna também
a lição proposta pela Lúcia Valle Figueiredo, verbis:
Deveras,
poderá o administrado, pela via do direito de petição (art. 5º, inciso XXXIV,
letra “a”, da Constituição Federal), provocar a Administração para exerça seu
dever. Quid juris se a Administração
ignorar?
Caberá, sem
dúvida, responsabilidade e, dependendo do caso,aplicar-se-á o dispositivo
constitucional próprio, art. 37, §6º da Constituição Federal da República
(responsabilidade do Estado), ou, se for o caso, art. 5º, inc. LXIX, também do
texto constitucional (o mandado de segurança) (2006, 361).
Ademais, a
condução do processo revisivo deverá prestar homenagem o princípio da
imparcialidade, que “significa certeza prévia da não-vinculação da atividade
instrutória e decisória em favor de qualquer uma das partes envolvidas no
processo administrativo (particulares ou Administração)” (MOREIRA, 2007, p. 120).
3.4 Surgimento
de um fato novo
Conforme se
verifica, a possibilidade de a penalidade imposta ao licitante ou contratado
ser revista exige a apresentação de um fato novo à Administração sancionadora,
cujo teor seja suficiente para que a competente autoridade entenda que aquela
sanção, inicialmente aplicada, é imprópria, revendo-a, portanto.
O jurista
José dos Santos Carvalho Filho entende como fato novo somente aquele tido como
inexistente na ocasião da tramitação do processo sancionatório inicial. Aquele
que de fato já existia, nessa oportunidade, mas que não foi juntado nos autos
do processo administrativo, na ocasião do seu desenvolvimento, não pode ser
considerado como novo. Observe-se, verbis:
Fatos novos são
aqueles não levados em consideração no processo original de que resultou a
sanção por terem ocorrido a posteriori. O sentido de “novo”
no texto guarda relação com o tempo de sua ocorrência e, por conseguinte, com
sua ausência para análise ao tempo em que se apurava a infração. O fato novo
pode alterar profundamente a conclusão antes firmada, protagonizando convicção
absolutória no lugar do convencimento sancionatório adotado na ocasião.
Surgindo fato dessa natureza, não seria mesmo justo que perdurasse a sanção,
decorrente daí que esta deve ser anulada ou modificada conforme a hipótese, mas
não mantida da forma como foi imposta.
Do exposto,
não é difícil notar que, se um fato já existia ao momento em que tramitava o
processo original, mas, por qualquer razão, não foi levado em conta na
apreciação global do processo, talvez a culpa (desinteresse ou inércia) do
próprio administrado, não se pode considerar o evento como fato novo. O pedido
revisional, por isso, deve ser indeferido (2007, p. 335) (grifo do autor).
Para o
professor Wellington Pacheco Barros:
Fatos novos, portanto, são aqueles
acontecimentos que, embora desconhecidos das partes durante a instrução do
processo administrativo ou que vieram a acontecer depois do julgamento, têm
reflexo no processo já julgado (2005, p. 170) (grifo do autor).
Já para o
Superior Tribunal de Justiça:
2- A
expressão "novo" significa dizer documento inexistente à época dos
fatos, não podendo o autor da rescisória haver se valido quando da ação
pretérita. Em não havendo a caracterização da desídia do autor em apresentá-lo
quando dos fatos ou a sua inexistência ao tempo do processo anterior, é de ser
conferido ao documento o título de "novo". (BRASIL, 1997).
Como fato
novo, por exemplo, poderá ser o surgimento de uma sanção mais branda que aquela
inicialmente imposta, expediente que impõe que a penalidade seja revista, já
que o princípio da retroatividade da norma mais benigna deve ser observado pela
Administração Pública, no âmbito dos processos punitivos. Sobre o tema, ensina
o Heraldo Garcia Vitta, verbis:
3.
Retroação da lei mais benigna e decisão mais favorável no processo revisional.
A norma
jurídica retroagirá (1) tanto na hipótese da nova legislação atribuir pena menos grave à conduta anterior ao
advento dela como (2) no caso de já não
considerar a conduta como ilícito administrativo.
(...)
O mesmo se
diga da decisão mais favorável ao
administrado, no processo revisional. Mesmo depois de findo processo
administrativo, no qual se apurou a infração e se impôs penalidade
correspondente, pode ocorrer de a nova
norma jurídica atribuir à conduta praticada pelo infrator pena menos grave do que a cominada sob a
vigência da anterior ordem normativa; ou, ainda, nova norma jurídica considerar
a conduta lícita, havida por ilícita
sob a égide da ordem anterior. Nessas hipóteses, se houver processo revisional, a autoridade deverá considerar a nova ordem
normativa: extinguir a penalidade, se o infrator já cumpriu a pena (no primeiro
caso), ou extingui-la de imediato, no segundo caso (2003, pp. 144/146)
(destaques do autor).
A ausência
de demonstração de um fato novo impede
o reexame da penalidade aplicada. Nesse sentido, em expediente administrativo
colacionado em sua fundamental obra para o estudo das licitações e contratos
administrativos, Jessé Torres Pereira Junior aponta um processo revisivo onde o
particular não apresentou um acontecimento inédito suficiente para modificar a
sanção inicialmente imposta. Observe-se:
A. S. G.
Ltda. pede, em recurso inominado, o
reexame da penalidade de advertência que Vossa Excelência lhe impôs em
razão de cumprimento irregular de obrigações contratuais, apurado em
procedimento administrativo.
(...)
Ao que se
deduz do arrazoado, a recorrente quer que Vossa Excelência reveja o ato.
Todavia, nenhum fato novo traz à
revisão postulada.
(...)
Como se vê,
nenhum é o “resíduo de dúvida” a que alude a recorrente. Tudo foi demonstrado
pela Administração e admitido pela defendente, que mantém a confissão no recurso
e ainda assim quer o cancelamento da penalidade.
(...)
Nada há,
portanto, a rever na penalidade
aplicada.
DECISÃO:
Nada a rever na decisão, em face dos fundamentos supramencionada que acolho
(2009, pp. 877/879) (grifos nossos).
3.5 Circunstância relevante
A
apresentação de uma circunstância relevante à Administração sancionadora, como
justificativa da inadequação de uma sanção anteriormente aplicada, também
autoriza a revisão da pena imposta ao licitante ou contratado.
Como
novamente preleciona o jurista José dos Santos Carvalho Filho, circunstâncias
relevantes não leva em conta o tempo da sua ocorrência, mas sim a importância
deste fato para autorizar a revisão da sanção imposta pela Administração. Nesse
sentido ensina, verbis:
Se um fato,
por exemplo, ocorreu ao tempo em que tramitava o processo original, mas não era
conhecido do interessado e da Administração, não pode caracterizar-se como novo, mas se for fundamental para o
acolhimento do pedido de revisão deve qualificar-se como circunstância relevante,
porque o fundamental, nesse caso, é a importância de que se reveste para a
apreciação final do pedido revisional. A descoberta de determinado documento já
existente à época do fato, mas desconhecido pelas partes, é circunstância
relevante, se necessária para justificar a injustiça da punição (2007,
pp.335/336). (destaques do autor)
Já
Wellington Pacheco Barros grafa que, verbis:
Circunstâncias
são particularidades de um todo. Circunstâncias relevantes, portanto, são
particularidades importantes que não foram consideradas na análise do processo
administrativo por desconhecidas, mas que não passíveis de justificar a
inadequação da sanção aplicada. É a situação de alguém que sofreu uma sanção
administrativa grave calcada na assertiva de já ter sido punido, quando, em
verdade, a punição anterior nunca ocorrera (2005, pp.170/171).
Acerca
desses requisitos que, necessariamente, devem ser verificados pela
Administração sancionadora, condição para o deferimento do pedido do licitante
ou contratado, leciona Egon Bockmann Moreira, que, verbis:
A revisão
dar-se-á caso surjam “fatos novos” ou “circunstâncias relevantes”. Ou seja: é
subordinada à existência concreta de fatos e pormenores inéditos ao processo e
à decisão, absoluta e objetivamente desconhecidos dos interessados ou da
Administração. Não é possível a revisão com lastro em fatos conhecidos, mas
coincidentemente não alegados ou discutidos no processo (2007, p. 360).
Por
conseguinte, a mera arguição de injustiça não autoriza a revisão da punição
devidamente aplicada. Nesse sentido ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos que, verbis:
A simples
alegação de injustiça da imposição da penalidade, sem fundamento ou prova para
tal, não se presta para dar processamento do pedido de revisão (...).
.............................................................................................................
Ele requer
um embasamento sólido, onde os elementos novos são suficientes para demonstrar
que a penalidade imposta deve ser alterada, para dar lugar à verdade real. Ou
então, que os novos fatos ou elementos são suficientes para uma nova reflexão
do que foi decidido (2010, p. 772).
Nesse
sentido também ensinou C. J de Assis Ribeiro, verbis:
Não caberá,
no entanto a revisão:
a) Quando
tiver como fundamento simples alegação da injustiça da penalidade, sem
aduzir-se a qualquer prova (1959, p. 108).
No âmbito
do processo revisivo, caberá ao próprio apenado demonstrar à Administração
sancionadora os fatos novos e circunstâncias relevantes, comprovando a
inadequação da sanção imposta. Assim, observe-se que há nesse expediente
administrativo a inversão do ônus da prova, devendo o particular apresentar
tais ocorrências à Administração sancionadora no bojo do seu requerimento.
Sobre o
tema ensina Ivan Barbosa Rigolin, quando preleciona a revisão de punições
aplicadas no âmbito do processo administrativo disciplinar, verbis:
No processo
administrativo disciplinar originário o ônus de provar que o indiciado é
culpado de alguma irregularidade que a Administração lhe imputa pertence evidentemente
a esta. Sendo a Administração autora do processo, a ela cabe o ônus da prova,
na medida em que ao autor de qualquer ação ao procedimento punitivo sempre cabe
provar o alegado.
Essa regra
predomina também no processo revisional, onde o ônus da prova de que a pena foi
elevada demais, ou de todo imerecida, passa a caber ao requerente da revisão,
que é afinal o seu autor, o próprio servidor condenado no processo
administrativo. Sabendo-se que apenas cabe processo revisional se ocorrer alguma
daquelas circunstâncias, ou daqueles fatos, elencados no art. 174, ao
requerente da revisão incumbe provar que de fato ocorreu, e que de fato o
processo merece revisão.
Pode-se na
verdade afirmar: o interesse no processo disciplinar originário é da Administração,
e consiste em provar que o servidor é culpado de alguma irregularidade, caso
este não consiga demonstrar sua inocência. No processo revisional é o
inverso que ocorre: o interesse em demonstrar o indevido da pena aplicada é do
requerente, do servidor indiciado anteriormente, e não da Administração
(2007, p. 338) (grifos nossos).
3.6 Justificação de que a sanção aplicada, em face dos novos fatos e
circunstâncias relevantes apresentados, é inadequada
Outra
condição imposta para que a revisão da penalidade ocorra é a de que os fatos
novos ou circunstâncias relevantes apresentados
sejam suficientes para justificar, no bojo do processo administrativo revisivo,
que a punição aplicada inicialmente é inadequada.
Para Egon
Bockmann Moreira, verbis:
Sanção
inadequada é aquela imprópria aos fatos do processo, por motivos de legalidade
ou mérito administrativo, Com lastro nos fatos novos e circunstâncias
relevantes, constata-se que o provimento aplicou mal a sanção, ou aplicou uma
sanção errada (2007, p. 360).
Caso assim
não for, ou seja, mesmo sendo apresentados os devidos elementos à Administração
sancionadora restar caracterizada que a penalidade imposta foi a adequada, à
luz da conduta ilícita praticada pelo licitante ou contratado, o pedido de revisão
da sanção anteriormente imposta deve ser julgado improcedente.
Nesse
sentido manifesta-se o Superior Tribunal de Justiça, verbis:
4. Em não
tendo sido aduzidos fatos novos ou qualquer outra circunstância suscetível de
justificar a inocência do punido ou a inadequação da pena aplicada, impõe-se
reconhecer a legalidade do ato que indeferiu a instauração do processo
revisional (BRASIL, 2001).
Isso
porque, ante a necessidade de observância do principio da proporcionalidade ou
proibição de excesso, uma sanção aplicada pela Administração Pública deve ser
proporcional à conduta reprovável praticada pelo licitante ou contratado. Sobre
o tema, salienta Rafael Munhoz de Mello, verbis:
O princípio
da proporcionalidade ocupa papel relevante no direito administrativo
sancionador, cujas normas disciplinam atuação estatal das mais agressivas aos
particulares. As sanções administrativas são um mal imposto pela Administração
Pública aos indivíduos que praticam infração administrativa. Trata-se de medida
que atinge de modo negativo a esfera jurídica dos particulares, razão pela qual
deve ser aplicada com observância do princípio da proibição de excesso e seu
corolários: adequação, necessidade, e proporcionalidade em sentido estrito.
Para que seja válida, a sanção administrativa deve ser adequada, necessária e
proporcional (2007, p. 173).
Apresentando-se,
dessa forma, no competente expediente revisivo, novos fatos ou circunstâncias
relevantes, bem como as competentes justificativas de que, em face da situação
apresentada, a penalidade imposta ao particular, que em outro momento era legítima,
apresenta-se atualmente como inadequada, ante a necessidade de observância
estrita do princípio supramencionada, deve a Administração rever a penalidade
aplicada.
4. Da nova decisão prolatada
Ao cabo do
processo revisivo, em sendo julgado improcedente o requerimento de revisão, em
decisão a qual deverá estar devidamente motivada, em nada será alterada a
situação do particular, devendo o licitante ou contratado cumprir devidamente a
penalidade imposta, suportando o ônus dela decorrente.
Caso dessa
forma ocorra, a rediscussão da pena imposta poderá continuar fora da seara
administrativa, já que o particular, com arrimo no princípio da
inafastabilidade da jurisdição, previsto no inc. XXXV do art. 5º da
Constituição Federal de 1988, pode se socorrer do Poder Judiciário a fim de
demonstrar a sua insatisfação em face da penalidade recebida.
Nesse
sentido grafa o jurista Marçal Justen Filho, verbis:
Por outro
lado, a punição ao particular está sujeita ao controle do Judiciário. Cabe não
apenas revisar a imparcialidade e a satisfatoriedade do processo administrativo
como a própria correção jurídica do sancionamento eventualmente imposto (2009,
p. 855).
Julgando-se,
no âmbito administrativo, procedente a demanda, todavia, poderá ser cominada
uma sanção menos grave, ou seja, a multa contratual originalmente aplicada ou
prazo da declaração ou suspensão eventualmente impostas serão diminuídas, por
exemplo.
Nessa
toada, poderá também ser afastada completamente a punição aplicada, tornando-a
sem efeito, o que demandaria a restauração do status quo anterior, como por exemplo, tornar sem efeito eventual
advertência imposta inscrita no registro cadastral do particular, fato pode o
desabonar no âmbito das contratações governamentais; devolver a multa
contratual recolhida pelo licitante ou contratado ou compensado com a garantia
contratual ou eventuais créditos financeiros existentes.
Nesse
sentido, ensina Daniel Ferreira[9]
que julgando procedente a demanda e afastando-se totalmente a penalidade, a
sanção anteriormente recebida se extingue. Assim, deverão ser restabelecidos
todos os direitos atingidos pela pena.[10]
5. Da impossibilidade do agravamento da penalidade
aplicada
Impera nos
processos administrativos sancionatórios a necessidade de observância dos
princípios do Direito Penal[11], onde se destaca o princípio da non reformatio in pejus.
Por meio da
aplicação do referido princípio, ao cabo do processo revisivo, não poderá a
Administração agravar a sanção inicialmente imposta. Acerca do referido
princípio ensina o Heraldo Garcia Vitta, verbis:
O princípio non reformatio in pejus decorre do
devido processo legal. Se a autoridade pudesse impor sanção mais grave, os particulares
ficariam inibidos de recorrer; haveria, também, ofensa ao duplo grau de
jurisdição, inerente ao regime democrático, além de ir de encontro ao
contraditório e a ampla defesa. Na verdade, é princípio geral de Direito,
corolário do direito de defesa (2003, p. 104).
Com efeito,
saliente-se que o quantum da
penalidade fruto da revisão não poderá exceder aquela aplicada anteriormente,
mesmo que se observe, ao fim do processo revisivo, que a decisão justa seria
uma mais grave do que aquela inicialmente imposta. O que é apenas permitido no
âmbito desse expediente, grife-se, é a discussão com o fito de abrandar a pena
cominada, bem como afastá-la completamente, porém, nunca majorá-la.
Nesse
sentido, não é de outra forma que ensina o jurista Regis Fernandes de Oliveira,
verbis:
Dedutível
também dos princípios constitucionais que dão sustentação à posição dos que são
acusados pela Administração Pública é a inadmissibilidade de julgamento que
possa piorar a situação do administrado quando apenas ele for o recorrente
(1985, p. 100).
Desta mesma
forma leciona José dos Santos Carvalho Filho, verbis:
“Desse
modo, em nenhuma situação a revisão pode dar ensejo a que se piore a situação
do recorrente. Em conseqüência, a pior situação que o recorrente pode sofrer é
a que decorre do indeferimento do pedido revisional e manutenção da sanção
originalmente imposta” (2007, p. 337).
Para o
Rafael Munhoz de Mello, verbis:
Se fosse
permitida a reformatio in pejus,
tolhido seria o direito à interposição de recursos administrativos, frente à
possibilidade de ser majorada a sanção administrativa imposta pela decisão
combatida pelo recurso. O recurso tornar-se-ia um “risco adicional” nas
palavras de Eduardo Garciá de Enterría e Tomás Ramón Fernández (2007, p. 242).
Assim, ante
a necessidade de observância do princípio supramencionado, afasta-se a
possibilidade de a Administração sancionadora instaurar, de ofício, um
procedimento revisivo com fins de perseguição, objetivando majorar a penalidade
anteriormente imposta, a fim de, por exemplo, afastar o licitante apenado das
próximas licitações que vier a promover, caso a pena imposta suspensa o seu
direto de participar de certames licitatórios.
Aliás,
nesse sentido é o magistério de Daniel Ferreira, verbis:
Ocorre que
muitas vezes a Administração Pública se utilizar das sanções que, por lei, deve
impessoal e cogentemente impor aos administrados-infratores com finalidade
diversa da normativa (2001, p. 141).
6.
Da revisão
da penalidade no judiciário
A
Administração Pública, atuando na função administrativa, no âmbito das
licitações e contratos administrativo, conforme estabelece o inc. IV do art. 58
da Lei federal nº 8.666/93, detém a prerrogativa de sancionar particulares
infratores.
Nessa
oportunidade, como o mesmo agente público que aplica a penalidade é aquele que
esta à frente ou integra a Administração prejudicada pela inexecução contratual
ou que verificou o ato reprovável praticado durante a licitação, por mais que a
condução do processo sancionatório deva ocorrer de forma imparcial,[12]
tal isenção acaba sendo afastada, observando-se, muitas vezes, um ranço de
retaliação, já que a conduta reprovável do particular pode ter prejudicado o
serviço público, fato que se acaba traduzindo na aplicação de uma penalidade
superior àquela merecida.
De
conseguinte, como a sanção recebida pode ser carregada desse elemento, a
apreciação do pedido de revisão dessa penalidade poderá ser ignorada no âmbito
administrativo, não recebendo o tratamento e respeito adequados.
Nessa
toada, muitos licitantes e contratados apenados, visualizando o referido
cenário e observando, ainda patente prejuízo, socorrem-se diretamente do Poder
Judiciário, com arrimo no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988,
poupando tempo e utilizando-se de instrumentos mais efetivos, já que é sabedor
de que a discussão administrativa será infrutífera.
Saliente-se
que a opção judicial pode ser a mais adequada quando inexiste tempo a ser
despendido na discussão no âmbito administrativa, já que o período necessário
para o desenvolvimento do processo pode prejudicar interesses do licitante ou
contratado apenados.
Na seara
judicial, por fim, poderá o particular, comprovando-se a ilegitimidade da pena
proposta, além de pleitear a anulação da sanção, poderá, ainda, exigir a
competente indenização pelas consequências produzidas pela punição, a exemplo
de prejuízos aferidos em face da rescisão unilateral do ajuste, necessidade de
recolhimento da multa contratual, impossibilidade de participar de licitações,
bem como celebrar ajustes etc.
Nesse
sentido, preleciona do jurista argentino José Roberto Dromi, verbis:
El control
judicial repecto de las sanciones e las faltas contratuales cometidas por el
contratista es amplio, y comprende
aspectos tales como la competência, el objeto, la voluntad y la forma, y em
general los que se vinculan com la legalidade administrativa de las sanciones
aplicadas. Por ello, es que los jueces podrán anularlas y condenar, em su caso,
a la Administración a indeminizar al contratista por lõs danõs e perjuicios ocasionados por su
indebida aplicación (2010, p. 513).
Grife-se
que a ausência de êxito judicial não afasta a possibilidade de discutir o
assunto, agora administrativamente.
7. Conclusão
Conforme
exposição acima aduzida, a revisão do processo sancionatório possibilita ao
particular apenado, no âmbito das licitações e contratos administrativos, a
rediscussão da sanção aplicada a qualquer tempo.
Para tanto,
deverá o licitante ou contratado apresentar à Administração sancionadora fatos
novos e circunstâncias relevantes, as quais sejam suficientes para justificar,
neste novo processo administrativo, que a punição aplicada anteriormente é
inadequada.
Não poderá,
saliente-se, em hipótese alguma, ser majorada a pena inicialmente aplicada,
mesmo que se observe, ao cabo do processo sancionatório, que a sanção
anteriormente aplicada foi insuficiente.
Em não
sendo deferido o pedido de revisão, inexistindo tempo para o desenvolvimento na
seara administrativa ou já sendo conhecedor de que a utilização do referido
expediente será infrutífera, poderá o particular socorrer diretamente do Poder
Judiciário, tendo em vista o princípio constitucional da inafastabilidade de
jurisdição, previsto no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988.
Conforme se
demonstrou, por fim, o direito de utilização deste expediente, no âmbito das
licitações e contratos administrativos, foi garantido Egrégio Superior Tribunal
de Justiça e reconhecido pelo Colendo Tribunal de Contas da União, fundamental
para reverência a mais um instrumento que objetiva proteger direitos de
particulares no âmbito das contratações governamentais.
8. Referencias bibliográficas
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out, Seção 1, p.
1.
_______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas
para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 6 jul. 1994,
Seção 1, p. 10149.
_______. Lei n° 10.520, de 17 de julho de 2002.
Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos
termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação
denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
30 jul. 2002. Seção 1, p. 1.
_______. Lei n° 9.784 , DE 29 DE JANEIRO DE 1999.
Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública
Federal.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF 1º
fev, 1999, P. 1.
_______.
Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança, nº 14.965 - DF
(2010/0008503-0), Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Julgamento: 13/12/2010,
Órgão Julgador: 1º Seção, Publicação 1º fev, 2011.
_______. Superior Tribunal de Justiça, Embargo de
Mandado de Segurança, nº 14.965 - DF (2010/0008503-0), Relator Ministro
Hamilton Carvalhido, Julgamento: 13/12/2010, Órgão Julgador: 1º Seção,
Publicação 29 mar, 2011.
_______.
Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança, nº 8.084 - DF
2001/0188673-1, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Julgamento: 25/11/2003,
Órgão Julgador: S3 - Publicação: DJ 19.12.2003 p. 314.
_______.
Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial, nº 139.379 - SP
(1997/0047252-3) , Relator, Ministro Gilson Dipp, Julgamento: 04/10/1999, Órgão
Julgador: T5 – Quinta Turma, Publicação: DJ 25.10.1999 p. 114.
_______.
Tribunal de Contas da União, Licitações
e contratos: orientações básicas / Tribunal de Contas da União. – 4. ed,
rev. atual. e ampl. Brasília: TCU, Secretaria de Controle Interno, 2010.
BARROS, Wellington
Pacheco. Curso de Processo
Administrativo, Porto Alegre,
Livraria do Advogado, 2005.
CRETELLA
JUNIOR, José. Curso de Direito
Administrativo, 18º Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003.
DROMI, José Roberto, Licitacion Pública, 4º ed., act. – Buenos Aires-Madrid, México:
Cidad Argentina – Hispania Libros, 2010.
FERREIRA,
Daniel, Sanções Administrativas, São Paulo, Malheiros, 2001.
FIGUEREDO,
Lúcia Vale, Direito dos licitantes,
São Paulo, Malheiros 1994.
_____________________,
Curso de Direito Administrativo. São
Paulo, Malheiros. 8ª Edição, 2006.
FILHO, José
dos Santos Carvalho, Processo
Administrativo Federal, 3º ed., Rio de Janeiro, Lumem juris, 2007.
FILHO,
Marçal Justen, Comentários à Lei de Licitações
e Contratos Administrativos, 13ª ed., São Paulo, Dialética, 2009.
MATTOS,
Mauro Roberto Gomes de Mattos, Tratado
de Direito Administrativo Disciplinar, 2º ed., Rio de Janeiro,
Forense, 2010.
MEIRELLES,
Hely Lopes, Direito Administrativo
Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007.
MELLO,
Celso Antonio Bandeira de, Curso de
Direito Administrativo, 25º ed., São Paulo, Malheiros, 2008.
MOREIRA,
Egon Bookman, Processo Administrativo,
Princípios Constitucionais e a Lei nº 9.784/1999, 3º Ed., São Paulo,
Malheiros, 2007.
MUNHOZ,
Rafael de Barros, Princípios
Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador, São Paulo,
Malheiros, 2007.
OLIVEIRA,
Régis Fernandes, Infrações e sanções
administrativas, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1985.
RIBEIRO, Assis,
C. J., Do processo administrativo e sua
revisão, Edições financeiras, Rio de Janeiro, 1959.
RIGOLIN,
Ivan Barbosa, Comentários ao Regime
único dos Servidores Públicos Civil, 5º
ed., São Paulo, Saraiva, 2007.
PEREIRA
JUNIOR, Jessé Torres, Comentários à Lei
das Licitações e Contratações da Administração Pública, 8ª ed., São Paulo,
Renovar, 2009.
VITTA,
Heraldo Garcia, A sanção no Direito
Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2003.
[1] JUNIOR,
2003, p. 471.
[2] V. art.
174 da Lei federal nº 8.112/90.
[3] JUNIOR, 2003, p. 471.
[4] BARROS, 2005, p. 169.
[5] Art. 87, inc. IV – “declaração de inidoneidade para licitar ou
contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos
determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação
perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida
sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e
após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior”
(destaques nossos) .
[6] 1.
Não há omissão na decisão que, de modo claro e suficientemente fundamentado,
concede a ordem no mandado de segurança para determinar à autoridade coatora
que aprecie o requerimento administrativo integralmente e tal como apresentado,
como pedido de revisão e, não, como reconsideração
ou recurso, quanto à adequação da sanção aplicada em decorrência de
circunstância alegadamente relevante, nos termos do artigo 65 da Lei nº
9.784/99. (BRASIL, 2010b) (destaques nossos)
[7] Art. 2º,
parágrafo único, inc. XII da Lei federal nº 9.784/98.
[8] LXXVIII
- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[9] 2001, p.
183.
[10] Nesse
sentido também salienta José Cretella Junior (2003, p 472.)
[11] Sobre o tema, ensina Lúcia Valle Figueiredo que: “Nos
procedimentos disciplinares ou sancionatórios há aplicação dos princípios do
Direito Penal: a) verdade material; b) indisponibilidade; c) impossibilidade de
reformatio in pejus; d)retroatividade
da legislação mais benigna; e) necessidade de defensor ad hoc; f) direito de estar presente aos depoimentos; duplicidade
de instância ou direito de reexame” (1994,
p. 87).
[12] A
necessidade de agir com a devida neutralidade advêm da necessidade de
observância do princípio da impessoalidade. Nesse sentido, salienta Alberto
Martins que: “(...) o Princípio da Impessoalidade, em sua aplicação à
legislação regedora dos processos
sancionatórios, impede que a Administração Pública paulista promova
perseguições em razão de desavenças pessoas ou qualquer tipo de promoção de
desígnios pessoais do administrador, que não pode, para estabelecer meros
exemplos, iniciar processos administrativos para sancionar pessoas ou empresas
para as quais não dedique sua simpatia.
O que o citado princípio
veda, portanto, é que a Administração Pública se mova por atitudes onde
preponderem a vontade do administrador público em detrimento da finalidade
legal.” (MOREIRA, 2007, p. 175)
Gostei da ideia
ResponderExcluir