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A revisão de sanções impostas a particulares no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos




A revisão de sanções impostas a particulares no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos



1.      Introdução

A revisão do processo sancionatório, objetivando a redução ou o afastamento de uma penalidade administrativa aplicada no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, é uma garantia ao particular apenado de que a sanção recebida possa ser revista no futuro, caso sejam apresentados novos fatos ou circunstâncias relevantes à Administração Sancionadora, suficientes à justificar a inadequação da pena anteriormente aplicada.

No procedimento em apreço, deflagra-se um novo processo administrativo, denominado revisivo, que poderá ocorrer de ofício, ou seja, pela própria Administração sancionadora, ou a pedido do particular apenado. Objetiva-se, ao final desse expediente, um novo pronunciamento, o qual reverá uma sanção administrativa, que no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos são aquelas arroladas nos arts. 86 e 87 da Lei federal nº 8.666/93 e art. 7º da Lei federal nº 10.520/02.

Em lição precisa, leciona José dos Santos Carvalho Filho, que o processo administrativo que abaixo será estudado objetiva “(...) corrigir erro de julgamento, evitando que o interessado seja vítima de sanção onde esta não deveria ter sido aplicada ou de sanção mais grave do que aquela que merecia. Para que haja revisão, entretanto, cabe a cabal demonstração de existência de fatos novos ou de circunstâncias relevantes comprobatórios da inadequação sancionatória.” (2007, p. 337).

A pouca utilização da revisão - que, aliás, é um instituto novo no Direito Administrativo[1] - no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, advém, além do seu desconhecimento (já que demanda a análise da principiologia e da legislação de processo administrativo), do fato de a Lei federal nº 8.666/93 não carregar em seu bojo dispositivo que ampare a pretensão do particular em requerer da Administração sancionadora a rediscussão da sanção aplicada, como já ocorre na seara disciplinar, conforme estabelece o art. 174 da Lei federal nº 8.112/90, o qual dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União.

Assim, por meio desse novo pronunciamento, se expurgam da seara jurídica decisões desproporcionais, que passam a ser ilegítimas e arbitrárias, incompatíveis com a nova ordem jurídica, o que é necessário em um Estado Democrático de Direito já que “A Administração Pública, como instituição destinada a realizar o Direito e a propiciar o bem comum, e não agir fora das normas jurídicas e da moral administrativa, nem relegar os fins sociais a que sua ação se dirige” (MEIRELLES, 2007, p. 200).


2.    Dos fundamentos jurídicos da revisão do processo sancionatório

A revisão do processo administrativo sancionatório, como ensina José dos Santos Carvalho Filho, é uma espécie de recurso, que deve ser processado, repise-se, por meio de um novo processo administrativo.

Estribado no princípio da revisibilidade das decisões administrativas, a instauração de um processo revisivo poderá ser deflagrado por meio de um requerimento calcado no direito de petição, o qual é garantido constitucionalmente pelo art. 5º, inc. XXXIV, inc. “a” da Constituição Federal de 1988.

Além da provocação do interessado, permite-se que a Administração sancionadora de ofício, instaure competente processo administrativo objetivando a revisão da penalidade aplicada, expediente que denota obediência do princípio da autotutela administrativa, consubstanciado na Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal.

A possibilidade da revisão do processo sancionatório é garantida legalmente no âmbito federal por meio do disposto no art. 65 da Lei nº 9.784/99, denominada de Lei Federal de Processo Administrativo, cujo teor reproduze-se:

Art. 65 - Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.

Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção (BRASIL, 1999).

A positivação deste expediente no bojo da Lei nº 9.784/99, a qual teve como inspiração a garantia de revisão de sanções imposta no âmbito disciplinar,[2] detendo, ainda, similitude com a revisão criminal[3] e a ação rescisória[4], possibilitou a utilização da revisão de pena aplicada em outros processos punitivos, a exemplo dos ocorridos na seara tributária, concorrencial e eleitoral.

Da mesma forma, garantiu-se a sua utilização no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos. Com efeito, saliente-se é plenamente possível deflagrar o processo revisivo de uma sanção devidamente imposta no âmbito das contratações governamentais, com fulcro no dispositivo legal supramencionado.

Dessa forma ocorre porque a utilização dos preceitos fixados na Lei nº 9.784/99, por força do que estabelece o art. 69, somente são aplicadas de forma subsidiária ou suplementar sobre as normas de caráter específico (Lei federal nº 8.666/93, por exemplo), naquilo que não contrariar regra específica. 

Por conseguinte, como a Lei federal nº 8.666/93 é silente sobre o tema, não estabelecendo nenhum procedimento destinado a rever uma penalidade aplicada no âmbito das licitações e contratos administrativos, está autorizado utilização da revisão constante do art. 65 da 9.784/99 a fim de garantir a deflagração do competente processo, já que os contornos legais, que abaixo se verificará, não conflitam com nenhum dispositivo constante do Estatuto federal Licitatório.

Sobre a aplicação subsidiária das leis de procedimento administrativo leciona Egon Bockmann Moreira que, verbis:

A aplicação subsidiária significa um âmbito de incidência limitado aos planos normativos não regulados pelas leis relativas a “processos administrativos específicos”.  Estes continuam a reger-se por suas próprias normas. Caso a Lei 9.784/1999 traga alguma previsão que não conflite com os processos específicos, o dispositivo é de aplicação cogente (2007, p. 292).

Nessa toada, não é outro o entendimento do Eg. Tribunal de Contas da União, conforme consta do seu Manual de Licitações, onde expressamente reconheceu a possibilidade da revisão do processo sancionatório no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, asseverando que:

Processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.

Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção (2010, p. 754).

Saliente-se que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça garantiu a aplicação deste expediente no âmbito das contratações governamentais, determinando ao Ministério dos Esportes que apreciasse um pedido de revisão de uma sanção a qual foi aplicada no âmbito de um pregão. Observe-se:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE REVISÃO. ADEQUAÇÃO DA SANÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA RELEVANTE. CABIMENTO.
1. "Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada." (artigo 65 da Lei nº 9.784/99).
2. Cabível o pedido de revisão, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido, tampouco em intempestividade, exsurgindo o direito líquido e certo do impetrante de ver apreciado seu requerimento como apresentado - pedido de revisão - e integralmente.
3. Ordem concedida (BRASIL, 2010a).

Como acima já se asseverou, mesmo inexistindo um dispositivo expresso na legislação que regula o processo administrativo dos demais entes federativos que permita a revisão de uma sanção, é obrigação da Administração sancionadora apreciar eventual requerimento apresentado por licitante ou contratado apenado, a qualquer tempo, devendo referido expediente ser processado como um direito de petição, circunstância que prestigia o princípio da revisibilidade das decisões administrativas.

Nesse sentido preleciona a jurista Lúcia Valle Figueiredo, verbis:

Quando utilizável o direito de petição, pode haver exercício de direito individual, e, também, de direito coletivo, da cidadania. Qualquer um pode – e deve – peticionar ao Poder Público para pleitear a correção de condutas administrativas que se manifestem erradas ou ilegais.

Como visto, o direito de petição também é outra maneira de deflagrar procedimentos revisivos (1994, p. 87). (grifo nosso).

Por ser oportuno, também salienta o mestre Celso Antonio Bandeira de Mello sobre o tema, verbis:

O princípio da revisibilidade, além de dever ser considerado como um princípio geral do Direito, embasa-se no direito de petição, previsto no art. 5º XXXIV “a”, a teor do qual todos têm assegurado “o direito de petição dos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra a ilegalidade ou abuso de poder”.

Ora, tal direito presume uma atuação administrativa que o cidadão repute desconforme com a ordem jurídica. Assim, peticionará a revisão dela, tanto mais porque a Administração se estrutura hierarquicamente, no que vai implícito de revisibilidade (2008, p. 498) (grifo do autor).

Acerca do princípio da revisibilidade, também ensina, Rafael Munhoz de Mello, verbis:

Além disso, a Constituição Federal garante aos particulares o direito de petição (art. 5º, XXXIX, “a”), que deve desencadear a instauração de um processo administrativo e a prolação de uma decisão.

A parte que se sentir legada por ato praticado em processo administrativo tem o direito de encaminhar petição ao órgão superior, que terá o dever de invalidar se estiver configurada ilegalidade, não sendo possível a convalidação (2007, p. 239).

Saliente-se, por fim, que o instituto em estudo em nada se confunde com a reabilitação, prevista no inc. IV do art. 87 da Lei federal nº 8.666/93[5], expediente esse realizado pela própria Administração sancionadora, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes da sua conduta desabonadora, após decorridos 2 anos da sanção imposta, sendo distinto também de um pedido de reconsideração[6] que, como ensina Hely Lopes Meirelles “é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o ato, para que o invalide ou modifique nos termos da pretensão do requerente” (2007, 678).

3.  Pressupostos

Utilizar-se-á como base para o desenvolvimento do presente estudo os requisitos legais impostos pela disciplina constante do art. 65 da Lei federal nº 9.784/99, inspirado na revisão de sanção já consagrado na seara administrativa disciplinar, como já se salientou, já que os mesmos são reproduzidos em diversas normas estaduais e municipais que regulam o processo administrativo, a exemplo da Lei nº 12.209/11 do Estado da Bahia, Lei nº 11.781/00 do Estado de Pernambuco e da Lei nº 8. 814/04, do município de Uberlândia.

Ademais, ante a ausência de ensinamentos doutrinários acerca da revisão das penas aplicadas no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, utilizar-se-á, além do magistério existente e ensinado no âmbito da Lei federal de processo administrativo, as lições prelecionadas na seara disciplinar, a quais poderão ser utilizadas, mutatis mutandis, no campo licitatório e contratual administrativo.

3.1               Existência de processo sancionatório encerrado

Para que uma sanção imposta no âmbito de uma licitação ou durante a execução de um contrato administrativo possa ser revista, deverá existir um processo sancionatório devidamente concluído, onde se tenha, ainda, transcorrida a competente fase recursal.

Com efeito, somente após a conclusão desse processo administrativo é que existirá uma sanção efetivamente aplicada - em garantia ao princípio da presunção da inocência -, e que poderá, a partir desse momento, ser objeto de competente revisão.

Saliente-se que a necessidade do aguardo da conclusão do processo punitivo advém do fato de a sanção aplicada poder ser revista em sede recursal. Assim, evita-se a movimentação da máquina administrativa.

Nesse sentido, ensina C. J. Assis Ribeiro que não caberá revisão do processo sancionatório: “Quando a decisão comportar pedido de reconsideração e recurso hierárquico” (1959, p. 108).


3.2 Inexistência de prazo para instauração do processo administrativo revisivo

A garantia da possibilidade de deflagração de um processo administrativo revisivo, a qualquer tempo, permite a aplicação concreta do princípio da verdade material, a qual impõe à Administração sancionadora a necessidade permanente da busca da demonstração da verdade fática.

Essa segurança é fundamental para o exercício do direito de revisão da punição imposta no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos. Isso porque, como o período de cumprimento das penalidades são extensas - até 5 anos, conforme estabelece o art. 7º da Lei federal nº 10.520/02 - quando não permanentes - ou seja, enquanto perdurarem os efeitos ensejadores da sanção, quando da declaração de inidoneidade, conforme estabelece o art. 87, inc. IV da Lei nº 8.666/93 - a possibilidade do exercício a qualquer tempo garante que a pena possa ser revista quando do surgimento do fato novo ou circunstância relevante, que poderá ocorrer também a qualquer momento.

Por conseguinte, a fixação de um prazo para a instauração de um processo revisivo obstaria o exercício desse direito o que mitigaria os efeitos do supramencionado princípio. Nesse sentido, já ensinou a longa data C. J. Assis Ribeiro, o direito do exercício da revisão é imprescritível. (1959. p. 109).

Com efeito, a possibilidade de deflagração do processo revisivo a qualquer momento franqueia ao particular apenado o direito de apresentar seu requerimento em ato contínuo à manifestação da autoridade sancionadora, onde não mais comporte recurso, ou após decorrer alguns anos, já que esses fatos novos ou circunstâncias relevantes podem surgir a qualquer tempo.

Acerca dessa garantia, ensina José dos Santos Carvalho Filho, verbis:

Essa possibilidade retrata, indiscutivelmente, uma garantia para todos os administrados que sofreram punição injusta, ou seja, a punição que não seria imposta se fossem conhecidos os novos fatos ou verificadas as circunstancias relevantes indicativas da inadequação punitiva.

Ao fixar a referida garantia, a lei, por via de consequência, está afirmando ser imprescritível a pretensão administrativa de revisão do ato punitivo, não podendo a Administração eximir-se de apreciar esse tipo de pedido sob alegação de decurso de prazo. É até mesmo admissível que o pedido de revisão seja julgado improcedente; o que é vedado, porém, é que os órgãos administrativos deixem de conhecer do pedido em razão de ter sucedido a prescrição.

Assim, sendo, não é o fator tempo elemento subjetivo impeditivo à satisfação do interesse revisional. (2007. p. 333) (destaque do autor).


3.3 Instauração e condução do processo revisivo

A deflagração de um processo administrativo revisivo poderá ocorrer de ofício, ou seja, será iniciado pela própria Administração sancionadora, sem prejuízo da interferência do particular apenado.[7]

Com efeito, a possibilidade de a Administração sancionadora dar início ao referido processo administrativo é consubstanciação do princípio da autotutela administrativa,  expressamente previsto na Súmula nº 473 do STF já que a Administração Pública é obrigada a rever seus atos que se apresentam como inconvenientes e inoportunos, a exemplo da imposição de uma sanção que se apresente, após a efetiva aplicação, desproporcional ou ilegítima.

Como já acima já se asseverou, o desencadeamento do processo revisivo de ofício também decorre da observância do princípio da verdade material, o qual, nas palavras do jurista Celso Antonio Bandeira de Mello:

“Consiste em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstraram no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com prescindência do que os interessados hajam alegado e provado” (2008, p. 494).

Para tanto, o ato de instauração do processo revisivo deverá apontar os novos fatos ou circunstâncias relevantes, como abaixo se verificará, a fim impulsionar o seu desenvolvimento no âmbito administrativo.

Sobre a deflagração de um processo revisivo de ofício pela Administração sancionadora, ensina Lúcia Valle Figueiredo, verbis:

Os processos revisivos podem iniciar-se – como já afirmado – de ofício, pelo direito de petição (art. 5º, XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal) ou pelo direito à revisibilidade (“duplo grau”).

Será procedida a revisão de ofício na hipótese de a Administração, ela própria entender de exercer sua competência controladora. Ou, então, na fase de integração (2006, p. 456) (grifo nosso).

Já em relação à instauração de um processo revisivo a pedido do particular apenado, tem-se que o licitante ou contratado deverá peticionar à Administração sancionadora, dirigindo seu requerimento à autoridade competente, apontando o fato novo ou a circunstância relevante verificados.

Ao final desse procedimento, deverá ser prolatada uma nova decisão, o qual deverá ser devidamente motivada, a fim de tornar sem efeito ou mitigar a sanção inicialmente aplicada.

O processo revisivo se desenvolverá apensado ao sancionatório originário, que, ao seu cabo, deliberou pela aplicação de sanção agora combatida, permitindo, desta feita, o confronto e garantindo uma visão ampla de ambos expedientes.

Grife-se que o presente estudo não adentrará na principiologia do processo administrativo, características e fases do seu desenvolvimento, limitando-se apenas a ressaltar às características do processo revisivo, bem como de expedientes que protejam o exercício do direito do particular de garantir uma manifestação da Administração a adequada.  

Nesse sentido, na medida em que a Administração Sancionadora está sendo instada a se manifestar sobre um assunto já apreciado, não poderá o órgão ou entidade processar o pedido do particular com descaso ou deixá-lo em segundo plano, devendo a atuação pautar-se seguindo os padrões éticos de probidade e boa-fé, princípios, aliás, expressamente previstos na Lei federal de Processo Administrativo, em seu art. 2º, parágrafo único, inc. III, já que por meio deste expediente pretende-se proteger direitos e o patrimônio do licitante ou contratado sancionado.

Ademais, deverá o processo revisivo ter duração moderada, ante a necessidade de observância do direito fundamental à razoável duração do processo, constitucionalmente garantido pelo inc. LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988.[8]

Saliente-se, por ser oportuno, que a não instauração do referido processo administrativo, ou a sua condução demorada, gerar prejuízo ao particular apenado, manifestamente comprovado, tendo em vista o princípio da responsabilidade objetiva, devidamente previsto no art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, a competente indenização se imporá. Sobre o tema ensina Egon Bockmann Moreira, verbis:

Não sendo instalado o processo, e caso desse fato resulte prejuízo concreto às pessoas envolvidas, dar-se-á o dever de indenizar. Tanto na hipótese de pedido recusado ou não apreciando como naquelas de desconsideração da incumbência legal de instalar o processo (2007, p.163).

É oportuna também a lição proposta pela Lúcia Valle Figueiredo, verbis:

Deveras, poderá o administrado, pela via do direito de petição (art. 5º, inciso XXXIV, letra “a”, da Constituição Federal), provocar a Administração para exerça seu dever. Quid juris se a Administração ignorar?

Caberá, sem dúvida, responsabilidade e, dependendo do caso,aplicar-se-á o dispositivo constitucional próprio, art. 37, §6º da Constituição Federal da República (responsabilidade do Estado), ou, se for o caso, art. 5º, inc. LXIX, também do texto constitucional (o mandado de segurança) (2006, 361).

Ademais, a condução do processo revisivo deverá prestar homenagem o princípio da imparcialidade, que “significa certeza prévia da não-vinculação da atividade instrutória e decisória em favor de qualquer uma das partes envolvidas no processo administrativo (particulares ou Administração)” (MOREIRA, 2007, p. 120).


3.4   Surgimento de um fato novo

Conforme se verifica, a possibilidade de a penalidade imposta ao licitante ou contratado ser revista exige a apresentação de um fato novo à Administração sancionadora, cujo teor seja suficiente para que a competente autoridade entenda que aquela sanção, inicialmente aplicada, é imprópria, revendo-a, portanto.

O jurista José dos Santos Carvalho Filho entende como fato novo somente aquele tido como inexistente na ocasião da tramitação do processo sancionatório inicial. Aquele que de fato já existia, nessa oportunidade, mas que não foi juntado nos autos do processo administrativo, na ocasião do seu desenvolvimento, não pode ser considerado como novo. Observe-se, verbis:

Fatos novos são aqueles não levados em consideração no processo original de que resultou a sanção por terem ocorrido a posteriori. O sentido de “novo” no texto guarda relação com o tempo de sua ocorrência e, por conseguinte, com sua ausência para análise ao tempo em que se apurava a infração. O fato novo pode alterar profundamente a conclusão antes firmada, protagonizando convicção absolutória no lugar do convencimento sancionatório adotado na ocasião. Surgindo fato dessa natureza, não seria mesmo justo que perdurasse a sanção, decorrente daí que esta deve ser anulada ou modificada conforme a hipótese, mas não mantida da forma como foi imposta.

Do exposto, não é difícil notar que, se um fato já existia ao momento em que tramitava o processo original, mas, por qualquer razão, não foi levado em conta na apreciação global do processo, talvez a culpa (desinteresse ou inércia) do próprio administrado, não se pode considerar o evento como fato novo. O pedido revisional, por isso, deve ser indeferido (2007, p. 335) (grifo do autor).

Para o professor Wellington Pacheco Barros:

Fatos novos, portanto, são aqueles acontecimentos que, embora desconhecidos das partes durante a instrução do processo administrativo ou que vieram a acontecer depois do julgamento, têm reflexo no processo já julgado (2005, p. 170) (grifo do autor).

Já para o Superior Tribunal de Justiça:

2- A expressão "novo" significa dizer documento inexistente à época dos fatos, não podendo o autor da rescisória haver se valido quando da ação pretérita. Em não havendo a caracterização da desídia do autor em apresentá-lo quando dos fatos ou a sua inexistência ao tempo do processo anterior, é de ser conferido ao documento o título de "novo". (BRASIL, 1997).

Como fato novo, por exemplo, poderá ser o surgimento de uma sanção mais branda que aquela inicialmente imposta, expediente que impõe que a penalidade seja revista, já que o princípio da retroatividade da norma mais benigna deve ser observado pela Administração Pública, no âmbito dos processos punitivos. Sobre o tema, ensina o Heraldo Garcia Vitta, verbis:

3. Retroação da lei mais benigna e decisão mais favorável no processo revisional.
A norma jurídica retroagirá (1) tanto na hipótese da nova legislação atribuir pena menos grave à conduta anterior ao advento dela como (2) no caso de já não considerar a conduta como ilícito administrativo.
(...)
O mesmo se diga da decisão mais favorável ao administrado, no processo revisional. Mesmo depois de findo processo administrativo, no qual se apurou a infração e se impôs penalidade correspondente, pode ocorrer de a nova norma jurídica atribuir à conduta praticada pelo infrator pena menos grave do que a cominada sob a vigência da anterior ordem normativa; ou, ainda, nova norma jurídica considerar a conduta lícita, havida por ilícita sob a égide da ordem anterior. Nessas hipóteses, se houver processo revisional, a autoridade deverá considerar a nova ordem normativa: extinguir a penalidade, se o infrator já cumpriu a pena (no primeiro caso), ou extingui-la de imediato, no segundo caso (2003, pp. 144/146) (destaques do autor).

A ausência de demonstração de um fato novo impede o reexame da penalidade aplicada. Nesse sentido, em expediente administrativo colacionado em sua fundamental obra para o estudo das licitações e contratos administrativos, Jessé Torres Pereira Junior aponta um processo revisivo onde o particular não apresentou um acontecimento inédito suficiente para modificar a sanção inicialmente imposta. Observe-se:

A. S. G. Ltda. pede, em recurso inominado, o reexame da penalidade de advertência que Vossa Excelência lhe impôs em razão de cumprimento irregular de obrigações contratuais, apurado em procedimento administrativo.
(...)
Ao que se deduz do arrazoado, a recorrente quer que Vossa Excelência reveja o ato. Todavia, nenhum fato novo traz à revisão postulada.
(...)
Como se vê, nenhum é o “resíduo de dúvida” a que alude a recorrente. Tudo foi demonstrado pela Administração e admitido pela defendente, que mantém a confissão no recurso e ainda assim quer o cancelamento da penalidade.
(...)
Nada há, portanto, a rever na penalidade aplicada.
DECISÃO: Nada a rever na decisão, em face dos fundamentos supramencionada que acolho (2009, pp. 877/879) (grifos nossos).

3.5 Circunstância relevante

A apresentação de uma circunstância relevante à Administração sancionadora, como justificativa da inadequação de uma sanção anteriormente aplicada, também autoriza a revisão da pena imposta ao licitante ou contratado.

Como novamente preleciona o jurista José dos Santos Carvalho Filho, circunstâncias relevantes não leva em conta o tempo da sua ocorrência, mas sim a importância deste fato para autorizar a revisão da sanção imposta pela Administração. Nesse sentido ensina, verbis:

Se um fato, por exemplo, ocorreu ao tempo em que tramitava o processo original, mas não era conhecido do interessado e da Administração, não pode caracterizar-se como novo, mas se for fundamental para o acolhimento do pedido de revisão deve qualificar-se como circunstância relevante, porque o fundamental, nesse caso, é a importância de que se reveste para a apreciação final do pedido revisional. A descoberta de determinado documento já existente à época do fato, mas desconhecido pelas partes, é circunstância relevante, se necessária para justificar a injustiça da punição (2007, pp.335/336). (destaques do autor)

Já Wellington Pacheco Barros grafa que, verbis:

Circunstâncias são particularidades de um todo. Circunstâncias relevantes, portanto, são particularidades importantes que não foram consideradas na análise do processo administrativo por desconhecidas, mas que não passíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. É a situação de alguém que sofreu uma sanção administrativa grave calcada na assertiva de já ter sido punido, quando, em verdade, a punição anterior nunca ocorrera (2005, pp.170/171).

Acerca desses requisitos que, necessariamente, devem ser verificados pela Administração sancionadora, condição para o deferimento do pedido do licitante ou contratado, leciona Egon Bockmann Moreira, que, verbis:

A revisão dar-se-á caso surjam “fatos novos” ou “circunstâncias relevantes”. Ou seja: é subordinada à existência concreta de fatos e pormenores inéditos ao processo e à decisão, absoluta e objetivamente desconhecidos dos interessados ou da Administração. Não é possível a revisão com lastro em fatos conhecidos, mas coincidentemente não alegados ou discutidos no processo (2007, p. 360).

Por conseguinte, a mera arguição de injustiça não autoriza a revisão da punição devidamente aplicada. Nesse sentido ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos que, verbis:

A simples alegação de injustiça da imposição da penalidade, sem fundamento ou prova para tal, não se presta para dar processamento do pedido de revisão (...).
.............................................................................................................
Ele requer um embasamento sólido, onde os elementos novos são suficientes para demonstrar que a penalidade imposta deve ser alterada, para dar lugar à verdade real. Ou então, que os novos fatos ou elementos são suficientes para uma nova reflexão do que foi decidido (2010, p. 772).

Nesse sentido também ensinou C. J de Assis Ribeiro, verbis:

Não caberá, no entanto a revisão:
a) Quando tiver como fundamento simples alegação da injustiça da penalidade, sem aduzir-se a qualquer prova (1959, p. 108).

No âmbito do processo revisivo, caberá ao próprio apenado demonstrar à Administração sancionadora os fatos novos e circunstâncias relevantes, comprovando a inadequação da sanção imposta. Assim, observe-se que há nesse expediente administrativo a inversão do ônus da prova, devendo o particular apresentar tais ocorrências à Administração sancionadora no bojo do seu requerimento.

Sobre o tema ensina Ivan Barbosa Rigolin, quando preleciona a revisão de punições aplicadas no âmbito do processo administrativo disciplinar, verbis:

No processo administrativo disciplinar originário o ônus de provar que o indiciado é culpado de alguma irregularidade que a Administração lhe imputa pertence evidentemente a esta. Sendo a Administração autora do processo, a ela cabe o ônus da prova, na medida em que ao autor de qualquer ação ao procedimento punitivo sempre cabe provar o alegado.

Essa regra predomina também no processo revisional, onde o ônus da prova de que a pena foi elevada demais, ou de todo imerecida, passa a caber ao requerente da revisão, que é afinal o seu autor, o próprio servidor condenado no processo administrativo. Sabendo-se que apenas cabe processo revisional se ocorrer alguma daquelas circunstâncias, ou daqueles fatos, elencados no art. 174, ao requerente da revisão incumbe provar que de fato ocorreu, e que de fato o processo merece revisão.

Pode-se na verdade afirmar: o interesse no processo disciplinar originário é da Administração, e consiste em provar que o servidor é culpado de alguma irregularidade, caso este não consiga demonstrar sua inocência. No processo revisional é o inverso que ocorre: o interesse em demonstrar o indevido da pena aplicada é do requerente, do servidor indiciado anteriormente, e não da Administração (2007, p. 338)  (grifos nossos).

3.6 Justificação de que a sanção aplicada, em face dos novos fatos e circunstâncias relevantes apresentados, é inadequada

Outra condição imposta para que a revisão da penalidade ocorra é a de que os fatos novos ou circunstâncias relevantes apresentados sejam suficientes para justificar, no bojo do processo administrativo revisivo, que a punição aplicada inicialmente é inadequada.

Para Egon Bockmann Moreira, verbis:

Sanção inadequada é aquela imprópria aos fatos do processo, por motivos de legalidade ou mérito administrativo, Com lastro nos fatos novos e circunstâncias relevantes, constata-se que o provimento aplicou mal a sanção, ou aplicou uma sanção errada (2007, p. 360).

Caso assim não for, ou seja, mesmo sendo apresentados os devidos elementos à Administração sancionadora restar caracterizada que a penalidade imposta foi a adequada, à luz da conduta ilícita praticada pelo licitante ou contratado, o pedido de revisão da sanção anteriormente imposta deve ser julgado improcedente.

Nesse sentido manifesta-se o Superior Tribunal de Justiça, verbis:

4. Em não tendo sido aduzidos fatos novos ou qualquer outra circunstância suscetível de justificar a inocência do punido ou a inadequação da pena aplicada, impõe-se reconhecer a legalidade do ato que indeferiu a instauração do processo revisional (BRASIL, 2001).

Isso porque, ante a necessidade de observância do principio da proporcionalidade ou proibição de excesso, uma sanção aplicada pela Administração Pública deve ser proporcional à conduta reprovável praticada pelo licitante ou contratado. Sobre o tema, salienta Rafael Munhoz de Mello, verbis:

O princípio da proporcionalidade ocupa papel relevante no direito administrativo sancionador, cujas normas disciplinam atuação estatal das mais agressivas aos particulares. As sanções administrativas são um mal imposto pela Administração Pública aos indivíduos que praticam infração administrativa. Trata-se de medida que atinge de modo negativo a esfera jurídica dos particulares, razão pela qual deve ser aplicada com observância do princípio da proibição de excesso e seu corolários: adequação, necessidade, e proporcionalidade em sentido estrito. Para que seja válida, a sanção administrativa deve ser adequada, necessária e proporcional (2007, p. 173).

Apresentando-se, dessa forma, no competente expediente revisivo, novos fatos ou circunstâncias relevantes, bem como as competentes justificativas de que, em face da situação apresentada, a penalidade imposta ao particular, que em outro momento era legítima, apresenta-se atualmente como inadequada, ante a necessidade de observância estrita do princípio supramencionada, deve a Administração rever a penalidade aplicada. 

4. Da nova decisão prolatada

Ao cabo do processo revisivo, em sendo julgado improcedente o requerimento de revisão, em decisão a qual deverá estar devidamente motivada, em nada será alterada a situação do particular, devendo o licitante ou contratado cumprir devidamente a penalidade imposta, suportando o ônus dela decorrente.

Caso dessa forma ocorra, a rediscussão da pena imposta poderá continuar fora da seara administrativa, já que o particular, com arrimo no princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988, pode se socorrer do Poder Judiciário a fim de demonstrar a sua insatisfação em face da penalidade recebida.

Nesse sentido grafa o jurista Marçal Justen Filho, verbis:

Por outro lado, a punição ao particular está sujeita ao controle do Judiciário. Cabe não apenas revisar a imparcialidade e a satisfatoriedade do processo administrativo como a própria correção jurídica do sancionamento eventualmente imposto (2009, p. 855).

Julgando-se, no âmbito administrativo, procedente a demanda, todavia, poderá ser cominada uma sanção menos grave, ou seja, a multa contratual originalmente aplicada ou prazo da declaração ou suspensão eventualmente impostas serão diminuídas, por exemplo.

Nessa toada, poderá também ser afastada completamente a punição aplicada, tornando-a sem efeito, o que demandaria a restauração do status quo anterior, como por exemplo, tornar sem efeito eventual advertência imposta inscrita no registro cadastral do particular, fato pode o desabonar no âmbito das contratações governamentais; devolver a multa contratual recolhida pelo licitante ou contratado ou compensado com a garantia contratual ou eventuais créditos financeiros existentes.

Nesse sentido, ensina Daniel Ferreira[9] que julgando procedente a demanda e afastando-se totalmente a penalidade, a sanção anteriormente recebida se extingue. Assim, deverão ser restabelecidos todos os direitos atingidos pela pena.[10]
  

5. Da impossibilidade do agravamento da penalidade aplicada


Impera nos processos administrativos sancionatórios a necessidade de observância dos princípios do Direito Penal[11], onde se destaca o princípio da non reformatio in pejus.

Por meio da aplicação do referido princípio, ao cabo do processo revisivo, não poderá a Administração agravar a sanção inicialmente imposta. Acerca do referido princípio ensina o Heraldo Garcia Vitta, verbis:

O princípio non reformatio in pejus decorre do devido processo legal. Se a autoridade pudesse impor sanção mais grave, os particulares ficariam inibidos de recorrer; haveria, também, ofensa ao duplo grau de jurisdição, inerente ao regime democrático, além de ir de encontro ao contraditório e a ampla defesa. Na verdade, é princípio geral de Direito, corolário do direito de defesa (2003, p. 104).

Com efeito, saliente-se que o quantum da penalidade fruto da revisão não poderá exceder aquela aplicada anteriormente, mesmo que se observe, ao fim do processo revisivo, que a decisão justa seria uma mais grave do que aquela inicialmente imposta. O que é apenas permitido no âmbito desse expediente, grife-se, é a discussão com o fito de abrandar a pena cominada, bem como afastá-la completamente, porém, nunca majorá-la. 

Nesse sentido, não é de outra forma que ensina o jurista Regis Fernandes de Oliveira, verbis:

Dedutível também dos princípios constitucionais que dão sustentação à posição dos que são acusados pela Administração Pública é a inadmissibilidade de julgamento que possa piorar a situação do administrado quando apenas ele for o recorrente (1985, p. 100).

Desta mesma forma leciona José dos Santos Carvalho Filho, verbis:

“Desse modo, em nenhuma situação a revisão pode dar ensejo a que se piore a situação do recorrente. Em conseqüência, a pior situação que o recorrente pode sofrer é a que decorre do indeferimento do pedido revisional e manutenção da sanção originalmente imposta” (2007, p. 337).

Para o Rafael Munhoz de Mello, verbis:

Se fosse permitida a reformatio in pejus, tolhido seria o direito à interposição de recursos administrativos, frente à possibilidade de ser majorada a sanção administrativa imposta pela decisão combatida pelo recurso. O recurso tornar-se-ia um “risco adicional” nas palavras de Eduardo Garciá de Enterría e Tomás Ramón Fernández (2007, p. 242).

Assim, ante a necessidade de observância do princípio supramencionado, afasta-se a possibilidade de a Administração sancionadora instaurar, de ofício, um procedimento revisivo com fins de perseguição, objetivando majorar a penalidade anteriormente imposta, a fim de, por exemplo, afastar o licitante apenado das próximas licitações que vier a promover, caso a pena imposta suspensa o seu direto de participar de certames licitatórios.

Aliás, nesse sentido é o magistério de Daniel Ferreira, verbis:

Ocorre que muitas vezes a Administração Pública se utilizar das sanções que, por lei, deve impessoal e cogentemente impor aos administrados-infratores com finalidade diversa da normativa (2001, p. 141).

6.      Da revisão da penalidade no judiciário

A Administração Pública, atuando na função administrativa, no âmbito das licitações e contratos administrativo, conforme estabelece o inc. IV do art. 58 da Lei federal nº 8.666/93, detém a prerrogativa de sancionar particulares infratores.

Nessa oportunidade, como o mesmo agente público que aplica a penalidade é aquele que esta à frente ou integra a Administração prejudicada pela inexecução contratual ou que verificou o ato reprovável praticado durante a licitação, por mais que a condução do processo sancionatório deva ocorrer de forma imparcial,[12] tal isenção acaba sendo afastada, observando-se, muitas vezes, um ranço de retaliação, já que a conduta reprovável do particular pode ter prejudicado o serviço público, fato que se acaba traduzindo na aplicação de uma penalidade superior àquela merecida.

De conseguinte, como a sanção recebida pode ser carregada desse elemento, a apreciação do pedido de revisão dessa penalidade poderá ser ignorada no âmbito administrativo, não recebendo o tratamento e respeito adequados.

Nessa toada, muitos licitantes e contratados apenados, visualizando o referido cenário e observando, ainda patente prejuízo, socorrem-se diretamente do Poder Judiciário, com arrimo no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988, poupando tempo e utilizando-se de instrumentos mais efetivos, já que é sabedor de que a discussão administrativa será infrutífera.

Saliente-se que a opção judicial pode ser a mais adequada quando inexiste tempo a ser despendido na discussão no âmbito administrativa, já que o período necessário para o desenvolvimento do processo pode prejudicar interesses do licitante ou contratado apenados.
Na seara judicial, por fim, poderá o particular, comprovando-se a ilegitimidade da pena proposta, além de pleitear a anulação da sanção, poderá, ainda, exigir a competente indenização pelas consequências produzidas pela punição, a exemplo de prejuízos aferidos em face da rescisão unilateral do ajuste, necessidade de recolhimento da multa contratual, impossibilidade de participar de licitações, bem como celebrar ajustes etc.

Nesse sentido, preleciona do jurista argentino José Roberto Dromi, verbis:

El control judicial repecto de las sanciones e las faltas contratuales cometidas por el contratista es amplio, y comprende aspectos tales como la competência, el objeto, la voluntad y la forma, y em general los que se vinculan com la legalidade administrativa de las sanciones aplicadas. Por ello, es que los jueces podrán anularlas y condenar, em su caso, a la Administración a indeminizar al contratista  por lõs danõs e perjuicios ocasionados por su indebida aplicación (2010, p. 513).

Grife-se que a ausência de êxito judicial não afasta a possibilidade de discutir o assunto, agora administrativamente.

7. Conclusão

Conforme exposição acima aduzida, a revisão do processo sancionatório possibilita ao particular apenado, no âmbito das licitações e contratos administrativos, a rediscussão da sanção aplicada a qualquer tempo.

Para tanto, deverá o licitante ou contratado apresentar à Administração sancionadora fatos novos e circunstâncias relevantes, as quais sejam suficientes para justificar, neste novo processo administrativo, que a punição aplicada anteriormente é inadequada.

Não poderá, saliente-se, em hipótese alguma, ser majorada a pena inicialmente aplicada, mesmo que se observe, ao cabo do processo sancionatório, que a sanção anteriormente aplicada foi insuficiente.

Em não sendo deferido o pedido de revisão, inexistindo tempo para o desenvolvimento na seara administrativa ou já sendo conhecedor de que a utilização do referido expediente será infrutífera, poderá o particular socorrer diretamente do Poder Judiciário, tendo em vista o princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição, previsto no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988.

Conforme se demonstrou, por fim, o direito de utilização deste expediente, no âmbito das licitações e contratos administrativos, foi garantido Egrégio Superior Tribunal de Justiça e reconhecido pelo Colendo Tribunal de Contas da União, fundamental para reverência a mais um instrumento que objetiva proteger direitos de particulares no âmbito das contratações governamentais.

8. Referencias bibliográficas

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_______.  Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 6 jul. 1994, Seção 1, p. 10149.
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_______. Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança, nº 8.084 - DF 2001/0188673-1, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Julgamento: 25/11/2003, Órgão Julgador: S3 - Publicação: DJ 19.12.2003 p. 314.
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[1] JUNIOR, 2003, p. 471.
[2] V. art. 174 da Lei federal nº 8.112/90.
[3] JUNIOR, 2003, p. 471.
[4] BARROS, 2005, p. 169.
[5] Art. 87, inc. IV – “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior” (destaques nossos) .

[6] 1. Não há omissão na decisão que, de modo claro e suficientemente fundamentado, concede a ordem no mandado de segurança para determinar à autoridade coatora que aprecie o requerimento administrativo integralmente e tal como apresentado, como pedido de revisão e, não, como reconsideração ou recurso, quanto à adequação da sanção aplicada em decorrência de circunstância alegadamente relevante, nos termos do artigo 65 da Lei nº 9.784/99. (BRASIL, 2010b) (destaques nossos)
[7] Art. 2º, parágrafo único, inc. XII da Lei federal nº 9.784/98.
[8] LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[9] 2001, p. 183.
[10] Nesse sentido também salienta José Cretella Junior (2003, p 472.)
[11] Sobre o tema, ensina Lúcia Valle Figueiredo que: “Nos procedimentos disciplinares ou sancionatórios há aplicação dos princípios do Direito Penal: a) verdade material; b) indisponibilidade; c) impossibilidade de reformatio in pejus; d)retroatividade da legislação mais benigna; e) necessidade de defensor ad hoc; f) direito de estar presente aos depoimentos; duplicidade de instância ou direito de reexame” (1994, p. 87).

[12] A necessidade de agir com a devida neutralidade advêm da necessidade de observância do princípio da impessoalidade. Nesse sentido, salienta Alberto Martins que: “(...) o Princípio da Impessoalidade, em sua aplicação à legislação  regedora dos processos sancionatórios, impede que a Administração Pública paulista promova perseguições em razão de desavenças pessoas ou qualquer tipo de promoção de desígnios pessoais do administrador, que não pode, para estabelecer meros exemplos, iniciar processos administrativos para sancionar pessoas ou empresas para as quais não dedique sua simpatia.
O que o citado princípio veda, portanto, é que a Administração Pública se mova por atitudes onde preponderem a vontade do administrador público em detrimento da finalidade legal.” (MOREIRA, 2007, p. 175)

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