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A AQUISIÇÃO DE BENS USADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA




20/04/14
                                                        

A AQUISIÇÃO DE BENS USADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Resumo: Em determinadas ocasiões, poderá a Administração Pública se servir de bens usados para alcançar seus objetivos institucionais, hava vista, por exemplo, a inexistência de recursos orçamentários necessários para a aquisição do objeto em seu estado novo ou descontinuidade daquilo que é demandado. Deliberando-se, motivadamente,  pela contratação de um objeto de segunda mão, deverá o Poder Público contratante redobrar a cautelas no processo de contratação direta ou licitação com objetivo de afastar a aquisição de um objeto ineficiente e antieconômico. Através do presente artigo, busca-se demonstrar que a celebração de um ajuste com esse tipo de objeto é juridicamente possível, apontando-se, ainda, as cautelas que o administrador público deverá ter durante o processamento da contratação, bem como na ocasião do recebimento do objeto, a fim de evitar que tal ajuste não seja reprovado futuramente pelos órgãos de controle, Haja vista caracterizar-se como ilegitimo. Aponta-se no trabalho o entendimento dos Tribunais de Contas em relação à esse tipo de contratação.
Palavras chave: Poder Público - Contratações - Aquisição de bem usado – Legitimidade – Cautelas.
Abstract: On certain occasions, the Government may make use of secondhand goods to achieve their institutional goals due to the lack of budgetary resources for the acquisition of the object in its new state or due to the discontinuation of sales of what is demanded. Once decided by the acquisition of some used object, the Government should redouble precautions in direct contracting or bidding process in order to reduce the risks of acquiring an inefficient and uneconomical object. This article aims at demonstrating that the acquisition of this type of object is legally possible, pointing out the safeguards that the public administrator should have during the hiring process as well as at the moment of receiving the object in order to prevent that such negotiation may be disapproved by the control agencies in the future given the fact that it can be considered illegitimate. This work shows how Courts of Auditors take into consideration this type of contract.
Keywords: Government - Contracts - Acquisition of Secondhand Goods - Legitimacy - Cautions.

















1.            Introdução

Recorrente é a indagação acerca da possibilidade jurídica da Administração Pública adquirir um objeto já usado de um terceiro, em detrimento da compra do bem pretenso em seu estado novo, ou seja, de primeira mão, nunca antes utilizado.
Com efeito, esclareça-se que os motivos que acarretam à Administração Pública  deliberar pela aquisição de um bem usado podem repousar sobre diversos fatos, a exemplo (1.) da falta de recursos públicos necessários para aquisição do objeto novo, diante do orçamento reduzido de algumas Administrações; (2.) da ausência de tempo para aguardar a entrega do objeto, executado sob encomenda, diante de necessidade administrativa a ser suprida de forma imediata, e (3.) da falta do bem novo no mercado correlato, em decorrência da demanda aquecida ou da descontinuidade do mesmo.
Como exemplo de aquisição de bens usados, verifica-se a pretensão do Poder Público em adquirir embarcações, aeronaves, tratores, ônibus, veículos, instrumentos musicais, equipamentos, máquinas, motores, ferramentas, etc.  Apresenta-se, como um exemplo da compra de um bem usado a aquisição do Porta-aviões São Paulo, adquirido da França pela Marinha brasileira no ano 2000.

Diante desta situação, pouco observada na Administração Pública brasileira, a princípio, salvo proibição assentada na legislação a que se sujeita o órgão ou entidade contratante ou nas condições impostas pelo agente financeiro, em caso de empréstimo, ou do concedente, no âmbito dos convênios administrativos, não vislumbramos nenhum óbice oponível à pretensão de se adquirir bens já utilizados por particulares ou pelo próprio Poder Público, de qualquer esfera administrativa.

Entende-se que assim deve ocorrer, haja vista que o interesse público a ser tutelado com o bem pretenso, por ser indisponível, não pode deixar de ser atendido, devendo a Administração, de acordo com a situação fática, tomar a melhor decisão administrativa, que poderá, diante das circunstâncias, ser aquela consubstanciada na deliberação da aquisição de uma objeto usado.

Consoante preleciona o mestre Celso Antonio Bandeira de Mello[1], in verbis:


O interesse público, fixado por via legal, não está à disposição da vontade do administrador, sujeito à vontade deste; pelo contrário, apresenta-se para ele sob a forma de um comando. Por isso mesmo a prossecução das finalidades a ssinaladas, longe de ser um 'problema pessoal' da Administração, impõe-se como obrigação indiscutível.

Como a atividade administrativa é de caráter serviente, coloca-se uma situação coativa: o interesse público, tal como foi fixado, tem que ser prosseguido, uma vez que a lei assim determinou. Daí a obrigação de as pessoas administrativas prosseguirem o próprio escopo, característica tão realçada pelos autores.

2.            Da observância do princípio da economicidade e eficiência administrativa na decisão de adquirir um objeto usado.

Em reverência aos princípios da eficiência administrativa e da economicidade, expressamente previstos nos caputs dos arts. 37 e 70 da CF/88, respectivamente, antes de ser deliberada a compra de um objeto usado, é prudente que na fase preparatória da licitação ou durante o processamento da contratação direta seja realizado um profundo estudo técnico que comprove a viabilidade econômica, assentado a relação custo-benefício da aquisição do bem usado, em detrimento da compra de um novo.

Assim nos manifestamos uma vez que na ocasião da contratação, de fato,  haverá menor dispêndio de recursos públicos na aquisição do bem usado em relação à compra do mesmo em seu estado novo. Mas, posteriormente, quando da efetiva utilização, observa-se que o bem usado adquirido poderá ser caracterizado como antieconômico em razão, por exemplo, da sua manutenção onerosa (mão de obra, peças etc.) e/ou escassa na região, além de ineficiente, diante da sua indisponibilidade para atender o interesse público a que se prestou, haja vista, por exemplo, permanecer sem a devida utilização aguardando a realização do reparo ou manutenção devidos.

Acerca do conteúdo jurídico do princípio da eficiência administrativa, preleciona o jurista Marcos Juruena Villela Souto [2] que, in verbis:

Decorrem do dever de eficiência do administrador, por força do qual a Administração, nas contratações, deve buscar não só a melhor proposta no mercado, mas a melhor relação custo-benefício entre o capital empregado e o bem adquirido (ou alienado), considerando-se, além do custo do ingresso do bem, obra ou serviço no patrimônio da Administração, também a sua manutenção (que vedaria, por exemplo, a compra de bens obsoletos ou com vícios.

No que tange ao princípio da economicidade, cite-se os ensinamentos da jurista Lúcia Valle Figueiredo[3], in verbis:

Podemos dizer que economicidade é a relação entre custos e benefícios. Aliás, em qualquer forma de administração o binômio custo-benefício é observado. Haveria irrazoabilidade se o custo fosse desproporcional ao benefício. E, atualmente, a eficiência reforça a economicidade.
           
Verifica-se, assim, que a real vantagem da aquisição de um bem usado – de forma a afastar, portanto, a compra de objeto novo - deve ser motivadamente assentada nos autos do processo administrativo a fim de caracterizar a legitimidade dessa  futura despesa pública, diante das circunstâncias apresentadas no caso concreto, sob pena de a aquisição de um objeto ineficiente e antieconômico receber manifestações contrárias pelos órgãos de controle interno e externo.

Acerca da legitimidade da despesa pública, ensina o jurista Regis Fernandes de Oliveira[4] que, in verbis:

A legitimidade tem a ver com a eficiência na aplicação dos recursos. Difere da mera legalidade, que é a conformidade vertical com a norma constitucional.  A legitimidade é muito mais que isso. Diz respeito à circunstâncias de estar ou não o dispêndio público sendo aplicado onde ele se faz necessário. É a consagração da seriedade e da correção da eleição dos valores estampados no ordenamento jurídico. Não pode o administrador público ter 'qualquer conduta'. Válida é apenas aquela aferida como melhor. Dentre as opções que te o agente político ele não pode escolher a pior. Nem a apenas razoável, mas aquela através da qual irá atingir os interesses públicos. Daí se pode aferir a legitimidade de seu comportamento.

Acerca da legitimidade dos gastos públicos, salientou o Ministro Marcos Vilaça  do Eg. Tribunal de Contas da União (TCU)[5] que, in verbis:

A legitimidade substantiva envolve o bom uso dos recursos públicos, bom uso significando, ao mesmo tempo, o seu emprego socialmente desejado, tecnicamente factível e economicamente eficiente. A legitimidade substantiva, em suma, mede-se na escala dos resultados .

Caso se verifique, todavia, diante das conclusões do estudo realizado, que a compra do objeto usado se caracteriza como ineficiente e/ou antieconomica, não sendo, portanto legítima, consoante exposição acima aduzida, tem-se que tal pretensão deve ser afastada, devendo a Administração buscar outra alternativa para atender ao interesse público, a exemplo da locação do bem pretenso, caso seja possível, em detrimento da sua regular aquisição.

Por fim, em sendo deliberada a aquisição da compra do objeto usado, deverá o orçamento do órgão ou entidade consignar competentes recursos para fazer frente às eventuais e futuras despesas com a sua manutenção, sob pena de mesmo não se prestar aos seus fins.






3.            Da atuação do setor requisitante do bem na elaboração do estudo técnico que comprove a real vantajosidade na aquisição de um objeto usado.

Conforme restou salientado acima, faz-se necessária a elaboração de um estudo de viabilidade para a aquisição do objeto usado, a ser realizado pelo departamento requisitante do bem, haja vista ser o órgão que efetivamente conhece todas as características e particularidades da coisa pretensa. Em nosso sentir, portanto, é incorreto que tal parecer técnico seja preparado, por exemplo, pela comissão de licitação – seja permanente, seja especial - ou pregoeiro, setor de compras, contabilidade, almoxarifado, comissão de recebimento etc.

Além desse parecer técnico, deverá o setor requisitante, motivadamente, arrolar todas as especificações que deverá apresentar o objeto ofertado, de forma a não reduzir a competitividade do certame posteriormente, devendo tal documento, futuramente, ser anexado ao ato convocatório, a fim de possibilitar que os interessados conheçam os pormenores da coisa demandada pelo Poder Público. Demais disso,  deverá tal órgão de assessoramento auxiliar a Comissão de Licitação ou pregoeiro na ocasião do julgamento da licitação ou responsável pela contratação direta e a comissão de recebimento da Administração.

Em arremate, entende-se que o parecer técnico, cujo teor conclui pela vantajosidade da aquisição de um bem já usado, juntamente com os demais documentos aptos para justificar a pretensão da Administração, deverão ser encaminhados à autoridade para desencadear a licitação a fim de que ocorra a autorização da contratação de um objeto de segunda mão. Caso assim ocorra, deverá o ato convocatório consignar em seu objeto ou processo de contratação direta que a intenção da Administração será adquirir um bem usado, assentando as especificações que deverão apresentar  futuramente aqueles que acudirem ao chamado da Administração.

4.            Do entendimento dos Tribunais de Contas acerca da aquisição de bens usados

Pela possibilidade da aquisição de bens usados,  manifestou o eg. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG), na Consulta nº 696.405[6], formulada pelo Prefeito do Município de Ressaquinha que, solicitou esclarecimentos sobre legitimidade da contratação de um bem de segunda mão. Vejamos, in verbis:

No mérito, tendo em vista que as licitações instauradas pelo Poder Público destinam-se à aquisição de bens novos, entendo que é indispensável que sejam elencadas razões aptas a justificar a opção pela aquisição de bens usados, merecendo destaque o aspecto relativo à economicidade e também como será assegurada a qualidade do produto usado.

Assim, se após as análises necessárias, a Administração concluir que a melhor opção para satisfazer a necessidade pública é a aquisição de bens usados, é necessária a realização de licitação na modalidade compatível com o valor do bem a adquirir, devendo ser acostadas aos autos do processo licitatório justificativas aptas a respaldar essa opção.

Em consonância com o disposto no art. 40, I, da Lei n. 8.666/93, que determina que o edital deve indicar o objeto da licitação, em descrição sucinta e clara, é indispensável consignar no ato convocatório que a licitação tem por objeto a aquisição de equipamento usado.

Uma vez que a presente consulta refere-se especificamente à aquisição de veículos usados, deve constar também do edital sua especificação como, por exemplo, uma data-limite de fabricação, quilome-tragem máxima admitida e outras características, além da realização de laudo de avaliação atestando o valor de mercado que viabilize a competição, já que o critério único de menor preço não conduz à melhor seleção.

Se, entretanto, o valor estimado do bem permitir a dispensa da licitação, devem ser obedecidas as determinações do art. 26 da Lei n. 8.666/93.

Entendimento idêntico teve o Tribunal de Contas da União no Processo TC-275.050-5, cujo Relator foi o Ministro Fernando Gonçalves, sendo seu Acórdão n. 818 publicado no Diário Oficial da União de 03/12/96. É o meu voto.

No que tange ao entendimento do eg. TCU manifestado na Decisão nº  290/2000, de relatoria do Ministro Relator Bento Bugarin e prolatada pelo seu Plenário, apresentou-se como regular o fornecimento de determinado bem usado, que se encontrava em pleno funcionamento, cuja aquisição não gerou prejuízos aos cofres públicos por ter sido despendidos valores compatíveis com os de mercado de bens do mesmo estado e natureza.

5.            Da necessidade de licitação para aquisição do objeto usado

Prestando reverência ao princípio da licitação, devidamente insculpido no art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal de 1988, verifica-se que a decisão de adquirir um objeto de segunda mão não afasta a necessidade de observância dos preceitos fixados na Lei federal de Licitações, exceto se, no caso concreto, a contratação enquadrar-se em uma das hipóteses de contratação direta, expressamente previstas nos arts. 24 e 25 da Lei fed. nº 8.666/93.

Em caso de licitação, no que tange à modalidade licitatória a ser eleita pela Administração, poderá o certame ser processado pelo pregão, caso o objeto pretenso seja caracterizado como “comum”, na forma do art. 1º, paragrafo único, da Lei fed. nº 10.520/02, ou seja, se os padrões de desempenho e qualidade do objeto demandado puderem ser objetivamente definidos pelo ato convocatório por meio de especificações usuais no mercado.

Demais disso, poderá ser adotada uma das modalidades tradicionais de licitação, as quais se encontram vertidas no art. 22 da Lei nº 8.666/93. Nesse caso, deverá a Administração licitante, de posse do valor estimado para a aquisição daquilo que é demandado - a ser auferido no mercado de objetos usado ou através de tabelas especializadas que reflitam tal segmento - adotar aquela que se enquadrar na disciplina no art. 23, inc. II, da norma em destaque.

Caso, todavia, as características da contratação se enquadre em um dos dispositivos arrolados no art. 24 da Lei fed. nº 8.666/93, poderá a licitação ser dispensada. Outrossim, inexistindo viabilidade de competição, o processo licitatório será inexigível, passando o objeto a ser contratado diretamente com arrimo no caput do art. 25 da norma retromencionado. Em ambos os casos, deverá ser observado o teor contido no art. 26, parágrafo único, do norma retromencionada.

6.            Cautelas no processamento da licitação ou contratação direta.

Grife-se que a cautela e o zelo que a Administração Pública utiliza quando adquire bens novos deve ser redobrada na ocasião em que decide comprar um objeto usado, haja vista o necessário esforço para adquiri-lo nas melhores condições de uso pelo menor valor a ser despedido com os recursos do erário.

Como já restou esclarecido, sabe-se que o sucesso de uma contratação depende da atuação da Administração na fase interna da licitação ou durante os atos preliminares da contratação direta, ocasião em que o setor incumbido de elaborar o projeto básico ou termo de referência deverá consignar todas as caracteristicas do objeto a ser adquirido, as quais, posteriormente, deverão ser reproduzidas no ato convocatório do certame ou orientará a administrador público em caso de dispensa ou inexigiblidade de licitação.

Pois bem. De praxe, deverá o projeto básico ou termo de referência, motivadamente, consignar as especificações a serem exigidas do objeto a ser ofertado futuramente, a  exemplo de um ônibus, como o número mínimo de assentos, ano máximo de fabricação, presença de opcionais como o ar-condicionado, caracteristica do motor, câmbio, carroceria etc, a fim de individualizar o bem pretenso.

Nesse sentido, em relação à reais cautelas que deverá ter a Administração, em se tratando de veículos, por exemplo, deverá o edital exigir que os mesmos sejam desprovidos de dívidas financeiras, impostos, multas administrativas (multas de trânsito etc), gravames, bloqueios etc, devendo o bem estar totalmente desembaraçado de forma a permitir a regular transferência de propriedade junto ao órgão de trânsito competente, posteriormente, após a regular assinatura do contrato administrativo.

Da mesma forma, deverá o veículo do retromencionado exemplo, ser acompanhado dos itens de segurança obrigatórios, como o estepe,  macaco,  chave de rodas, triângulo de segurança, etc, sendo exigido, ademais, o regular funcionamento da parte mecânica, elétrica, hidráulica, etc do bem usado. Com efeito, grife-se que não há como consentir a aquisição de um objeto desprovido dos itens obrigatórios de segurança ou que não funcionem adequadamente, sob pena de a Administração ter que despender valores para compra de tais itens, para não sofrer a correspondente sanção administrativa diante da inobservancia da legislação de trânsito. Da mesma forma é inconcebível que o futuro bem a ser adquirido seja encostado em uma oficina mecânica da Administração ato contínuo ao seu recebimento pelo Poder Pùblico.

Quando da ocasião do julgamento do certame licitatório ou escolha da melhor proposta em caso de contratação direta deverá a comissão de licitação, pregoeiro ou agente que conduz a dispensa ou inexebigilidade de licitação direta utilizar as informações consignadas no parecer elaborado pelo setor requisitante, a fim de identificar, por exemplo, se os objetos assentados nas correspondentes ofertas, de fato, atendem aos reclamos editalícios. Restando dúvidas quando do cotejo das propostas com a disciplina editalícia, deverá ser instado que tal órgão de assessoramento se manifeste a respeito.

Nesse oportunidade, recomenda-se, com estribo no art. 43, § 3º, da Lei fed. nº 8.666/93, que o ato convocatório ou processo administrativo de contratação direta determine, na fase de julgamento das propostas, a convesão do processo administrativo em diligência com o escopo da comissão de licitação, pregoeiro, ou agente responsável pela contratação direta, assessorados pelo setor técnico, aferir se o objeto ofertado na proposta melhor classificada, de fato, atende aos requisitos lá fixados.

Aproveitando-se, ainda, a oportunidade do contato com aquilo a ser futuramente entregue e incorporado ao patrimônio da Administração, sugere-se que seja lavrado um termo de vistoria, assentado as condições do bem nesse ocasião, podendo, ademais, alguns detalhes serem registradas por meio de fotos, além da indicação das marcas das peças e acessórios lá incorporados ou instalados - a exemplo bateria, pneus, etc, em caso de veículos.

Grife-se que por meio deste expediente, afasta-se a possibilidade de futura  canibalização do objeto entre o julgamento da licitação e efetiva entrega do objeto. Em outras palavras, evita-se que o proprietário do bem a ser entregue retire peças em boas condições, substituindo-as por equivalentes avariadas (substituição de bateria em boas condições de uso por uma peça que não “segura carga”) ou sem condições de uso (troca de pneu novo ou “meia vida” por “careca”), fato que gerará manutenção posteriormente, onerando, assim, os cofres públicos indevidamente. 

 De posse desse termo de vistoria, deverá a comissão de recebimento, posteriormente, verificar se as condições do bem na ocasião da sua entrega conferem com aquelas consignadas nesse documento, sob pena de rejeição do mesmo até a restauração do status quo  constante nesse documento. 

Grife-se que tal expediente deverá estar devidamente previsto no ato convocatório ou no processo de contratação direta a fim de não ter a sua legalidade questionada.

7. Da participação de pessoas físicas nas licitações que detenham o condão de adquirir objetos usados.

Em relação aos participantes de uma licitação ou contratação direta que objetiva a aquisição de um bem usado, esclareça-se que em sendo possível que um determinado objeto possa ser fornecido tanto por pessoas físicas e jurídicas, de direito publico ou privado, circunstância que a ser verificada em face do caso concreto, entende-se que a Administração deverá admitir tais pessoas no competente processo de contratação, a fim de não incidir em burla ao princípio da competitividade, insculpido no art. 3º, § 1º, inc. I, da Lei federal nº 8.666/93.

Com efeito, esclareça-se que o art. 6º, inc. XV, da Lei federal nº 8.666/93 conceitua contratado como “a pessoa física ou jurídica signatária de contrato com a Administração Pública”, o que reforça nossa tese de participação das pessoas naturais nas licitações públicas.

No caso, deverá a Administração adequar o instrumento convocatório, bem como assentar no processo de dispensa ou inexegibilidade de licitação tal permissibilidade, de forma a garantir a participação de pessoas físicas e jurídicas na contratação.










8.            Conclusões  finais

Restando verificado, diante das alternativas existentes para o atendimento do interesse público, a possibilidade de a Administração Pública desencadear um processo licitatório ou de contratação direta objetivando adquirir um bem usado, deverá a cautela para a contratação de um objeto desse jaez ser redobrada.

Para tanto, como restou assentado, deverá ser elaborado pelo setor requisitante do bem demandado um competente estudo de viabilidade econômica que comprove, motivadamente, que a aquisição de um objeto de segunda mão não é só vantajoso na ocasião da contratação, mas proveitoso posteriomente, durante a sua regular utilização, não se apresentando como ineficiente e antiecônomico, sob pena da necessidade do afastamento desse tipo de contratação, ocasião em que deverá ser buscada uma alternativa para o atendimento do interesse público, haja vista ser esse indisponível.

Outrossim, para que o sucesso desta contratação ocorra, também é impreterível a efetiva participação do setor requisitante do objeto, não só na elaboração  do referido parecer, mas também no auxílio da definição das suas especificações, bem como no assessoramento da Comissão de Licitação, pregoeiro ou agente responsável pela contratação direta e Comissão de recebimento, posteriormente.

Tomada tais caulelas, portanto, possibilita-se o afastamento da aquisição de um objeto de segunda mão que se apresente, posteriormente, antieconômico e ineficiente, de forma a não atingir os objetivos a que se prestou, circunstância que poderá gerar a  reprovação dessa contratação pelos orgãos de controle haja vista ser tal despesa pública ilegítima.



[1]             MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.  pp. 77/78.

[2]    SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Contratual. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004. p 20.
[3]    FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 367.
[4]    OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Gastos Públicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p 170.
[5]    BRASIL. Tribunal de Contas da União. Decisão nº 868/1998 - Plenário. Trecho do voto do Ministro Relator Iram Saraiva, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 mar. 1998,. Seção 1, p. 64.
[6]    Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Consulta nº 696.405, Relatoria: Conselheiro Elmo Braz, Revista do TCEMG, v. 61, n. 4, out./ dez. 2006, p. 205.

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